A Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia (1978)¹


Digitação: Dawson Campos de Lima

Prefácio

A autoridade das Escrituras é um tema chave para a igreja cristã, tanto desta quanto de qualquer outra época. Aqueles que professam fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador são chamados a demonstrar a realidade de seu discipulado cristão mediante obediência humilde e fiel à Palavra escrita de Deus. Afastar-se das Escrituras, tanto em questões de fé quanto em questões de conduta, é deslealdade para com nosso Mestre. Para que haja uma compreensão plena e uma confissão correta da autoridade das Sagradas Escrituras é essencial um reconhecimento da sua total veracidade e confiabilidade.

A Declaração a seguir afirma sob nova forma essa inerrância das Escrituras, esclarecendo nosso entendimento a respeito dela e advertindo contra sua negação. Estamos convencidos de que nega-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus, submissão esta que caracteriza a verdadeira fé cristã. Entendemos que é nosso dever nesta hora fazer esta afirmação diante dos atuais desvios da verdade da inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do entendimento errôneo que esta doutrina tem tido no mundo em geral.

Esta Declaração consiste de três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação, e uma Explanação. Preparou-se a Declaração durante uma consulta de três dias de duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias convicções através dos debates que tivemos juntos, e oramos para que esta Declaração que assinamos seja usada para a glória de Deus com vistas a uma nova reforma na Igreja no que tange a sua fé, vida e missão.

Apresentamos esta Declaração não num espírito de contenda, mas de humildade e amor, o que, com a graça de Deus, pretendemos manter em qualquer diálogo que, no futuro, surja daquilo que dissemos. Reconhecemos (…) que muitos que negam a inerrância das Escrituras não apresentam em suas crenças e comportamento as conseqüências dessa negação, e estamos conscientes de que nós, que confessamos essa doutrina, freqüentemente a negamos em nossa vida, por deixarmos de trazer nossos pensamentos e orações, tradições e costumes, em verdadeira sujeição à Palavra divina.

Qualquer pessoa que veja razões, à luz das Escrituras, para fazer emendas às afirmações desta Declaração sobre as próprias Escrituras (sob cuja autoridade infalível estamos, enquanto falamos), é convidada a fazê-lo. Não reivindicamos qualquer infalibilidade pessoal para o testemunho que damos, e seremos gratos por qualquer ajuda que nos possibilite fortalecer este testemunho acerca da Palavra de Deus.

A COMISSÃO DE REDAÇÃO

Uma Breve Declaração

  1. Deus, sendo Ele Próprio a Verdade e falando somente a verdade, inspirou as Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-Se à humanidade perdida, através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras Sagradas são o testemunho de Deus sobre Si mesmo.
  2. As Escrituras Sagradas, sendo apropria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e supervisionados por Seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos os assuntos que abordam: devem ser cridas, como instrução divina, em tudo o que afirmam; obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam; aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem.
  3. O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.
  4. Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de Deus, quer no testemunho que dão sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas.
  5. A autoridade das Escrituras fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância divina absoluta seja de alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa de um ponto de vista acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista da Bíblia; e tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para a Igreja.

Artigos de Afirmação e Negação

Artigo I.

Afirmamos que as Sagradas Escrituras devem ser recebidas como a Palavra oficial de Deus.

Negamos que a autoridade das Escrituras provenha da Igreja, da tradição ou de qualquer outra fonte humana.

Artigo II.

Afirmamos que as Sagradas Escrituras são a suprema norma escrita, pela qual Deus compele a consciência, e que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras.

Negamos que os credos, concílios ou declarações doutrinárias da Igreja tenham uma autoridade igual ou maior do que a autoridade da Bíblia.

Artigo III.

Afirmamos que a Palavra escrita é, em sua totalidade, revelação dada por Deus.

Negamos que a Bíblia seja um mero testemunho a respeito da revelação, ou que somente se torne revelação mediante encontro, ou que dependa das reações dos homens para ter validade.

Artigo IV.

Afirmamos que Deus, que fez a humanidade à Sua imagem, utilizou a linguagem como um meio de revelação.

Negamos que a linguagem humana seja limitada pela condição de sermos criaturas, a tal ponto que se apresente imprópria como veículo de revelação divina. Negamos ainda mais que a corrupção, através do pecado, da cultura e linguagem humanas tenha impedido a obra divina de inspiração.

Artigo V.

Afirmamos que a revelação de Deus dentro das Sagradas Escrituras foi progressiva.

Negamos que revelações posteriores, que podem completar revelações mais antigas, tenham alguma vez corrigido ou contrariado tais revelações. Negamos ainda mais que qualquer revelação normativa tenha sido dada desde o término dos escritos do Novo Testamento.

Artigo VI.

Afirmamos que a totalidade das Escrituras e todas as suas partes, chegando às próprias palavras do original, foram por inspiração divina.

Negamos que se possa corretamente falar de inspiração das Escrituras, alcançando-se o todo mas não as partes, ou algumas partes mas não o todo.

Artigo VII.

Afirmamos que a inspiração foi a obra em que Deus, por Seu Espírito, através de escritores humanos, nos deus Sua palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo como se deu a inspiração permanece em grande parte um mistério para nós.

Negamos que se possa reduzir a inspiração à capacidade intuitiva do homem, ou a qualquer tipo de níveis superiores de consciência.

Artigo VIII.

Afirmamos que Deus, em Sua obra de inspiração, empregou as diferentes personalidades e estilos literários dos escritores que Ele escolheu e preparou.

Negamos que Deus, ao fazer esses escritores usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha passado por cima de suas personalidades.

Artigo IX.

Afirmamos que a inspiração, embora não outorgando onisciência, garantiu uma expressão verdadeira e fidedigna em todas as questões sobre as quais os autores bíblicos foram levados a falar e a escrever.

Negamos que a finitude ou a condição caída desses escritores tenha, direta ou indiretamente, introduzido distorção ou falsidade na Palavra de Deus.

Artigo X.

Afirmamos que, estritamente falando, a inspiração diz respeito somente ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus, pode-se determinar com grande exatidão a partir de manuscritos disponíveis. Afirmamos ainda mais que as cópias e traduções das Escrituras são a Palavra de Deus na medida em que fielmente representam o original.

Negamos que qualquer aspecto essencial da fé cristã seja afetado pela falta dos autógrafos. Negamos ainda mais que essa falta torne inválida ou irrelevante a afirmação da inerrância da Bíblia.

Artigo XI.

Afirmamos que as Escrituras, tendo sido dadas por inspiração divina, são infalíveis, de modo que, longe de nos desorientar, são verdadeiras e confiáveis em todas as questões de que tratam.

Negamos que seja possível a Bíblia ser, ao mesmo tempo infalível e errônea em suas afirmações. Infalibilidade e inerrância podem ser distinguidas, mas não separadas.

Artigo XII.

Afirmamos que, em sua totalidade, as Escrituras são inerrantes, estando isentas de toda falsidade, fraude ou engano.

Negamos que a infalibilidade e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos ou redentores, não alcançando informações de natureza histórica e científica. Negamos ainda mais que hipóteses científicas acerca da história da terra possam ser corretamente empregadas para desmentir o ensino das Escrituras a respeito da criação e do dilúvio.

Artigo XIII.

Afirmamos a propriedade do uso de inerrância como um termo teológico referente à total veracidade das Escrituras.

Negamos que seja correto avaliar as Escrituras de acordo com padrões de verdade e erro estranhos ao uso ou propósito da Bíblia. Negamos ainda mais que a inerrância seja contestada por fenômenos bíblicos, tais como uma falta de precisão técnica contemporânea, irregularidades de gramática ou ortografia, descrições da natureza feitas com base em observação, referência a falsidades, uso de hipérbole e números arredondados, disposição tópica do material, diferentes seleções de material em relatos paralelos ou uso de citações livres.

Artigo XIV.

Afirmamos a unidade e a coerência interna das Escrituras.

Negamos que alegados erros e discrepâncias que ainda não tenham sido solucionados invalidem as declarações da Bíblia quanto à verdade.

Artigo XV.

Afirmamos que a doutrina da inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração.

Negamos que o ensino de Jesus acerca das Escrituras possa ser desconhecido sob o argumento de adaptação ou de qualquer limitação natural decorrente de Sua humanidade.

Artigo XVI.

Afirmamos que a doutrina da inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história.

Negamos que a inerrância seja uma doutrina inventada pelo protestantismo escolástico ou que seja uma posição defendida como reação contra a alta crítica negativa.

Artigo XVII.

Afirmamos que o Espírito Santo dá testemunho acerca das Escrituras, assegurando aos crentes a veracidade da Palavra de Deus escrita.

Negamos que esse testemunho do Espírito Santo opere isoladamente das Escrituras ou em oposição a elas.

Artigo XVIII.

Afirmamos que o texto das Escrituras deve ser interpretado mediante exegese histórico-gramatical, levando em conta suas formas e recursos literários, e que as Escrituras devem interpretar as Escrituras.

Negamos a legitimidade de qualquer abordagem do texto ou de busca de fontes por trás do texto que conduzam a um revigoramento, desistorização ou minimização de seu ensino, ou a uma rejeição de suas afirmações quanto à autoria.

Artigo XIX.

Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de Cristo.

Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa rejeitar a inerrância sem graves conseqüências, quer para o indivíduo quer para a Igreja.

Explanação

Nossa compreensão da doutrina da inerrância deve dar-se no contexto mais amplo dos ensinos das Escrituras sobre si mesma. Esta explanação apresenta uma descrição do esboço da doutrina, na qual se baseiam nossa breve declaração e os artigos.

Criação, Revelação e Inspiração

O Deus Triúno, que formou todas as coisas por Sues proferimentos criadores e que a tudo governa pela Palavra de Sua vontade, criou a humanidade à Sua própria imagem para uma vida de comunhão consigo mesmo, tendo por modelo a eterna comunhão da comunicação dentro da Divindade. Como portador da imagem de Deus, o homem deve ouvir a Palavra de Deus dirigida a ele e reagir com a alegria de uma obediência em adoração. Além da auto-revelação de Deus na ordem criada e na seqüência de acontecimentos dentro dessa ordem, desde Adão os seres humanos têm recebido mensagens verbais dEle, quer diretamente, conforme declarado nas Escrituras, quer indiretamente na forma de parte ou totalidade das próprias Escrituras.

Quando Adão caiu, o Criador não abandonou a humanidade ao juízo final, mas prometeu salvação e começou a revelar-Se como Redentor numa seqüência de acontecimentos históricos centralizados na família de Abraão e que culminam com a vida, morte, ressurreição, atual ministério celestial e a prometida volta de Jesus Cristo. Dentro desse arcabouço, de tempos em tempos Deus tem proferido palavras específicas de juízo e misericórdia, promessa e mandamento, a seres humanos pecaminosos, de modo a conduzi-los a um relacionamento, uma aliança, de compromisso mútuo entre as duas partes, mediante o qual Ele os abençoa com dons da graça, e eles O bendizem numa reação de adoração. Moisés, que Deus usou como mediador para transmitir Suas palavras a Seu povo à época do êxodo, está no início de uma longa linhagem de profetas em cujas bocas e escritos Deus colocou Suas palavras para serem entregues a Israel. O propósito de Deus nesta sucessão de mensagens era manter Sua aliança ao fazer com que Seu povo conhecesse Seu Nome, isto é, Sua natureza, e tantos preceitos quanto os propósitos de Sua vontade, quer para o presente, que para o futuro. Essa linhagem de porta-vozes proféticos da parte de Deus culminou em Jesus Cristo, a Palavra encarnada de Deus, sendo Ele um profeta (mais do que um profeta, mas não menos do que isso), e nos apóstolos e profetas da primeira geração de cristãos. Quando a mensagem final e culminante de Deus, Sua palavra ao mundo a respeito de Jesus Cristo, foi proferida e esclarecida por aqueles que pertenciam ao círculo apostólico, cessou a seqüência de mensagens reveladas. Daí por diante, a Igreja devia viver e conhecer a Deus através daquilo que Ele já havia dito, e dito para todas as épocas.

No Sinai, Deus escreveu os termos de Sua aliança em tábuas de pedra, como Seu testemunho duradouro e para ser permanentemente acessível, e ao longo do período de revelação profética e apostólica levantou homens para escreverem as mensagens dadas a eles e através deles, junto com os registros que celebravam Seu envolvimento com Seu povo, além de reflexões éticas sobre a vida em aliança e de formas de louvor e oração em que se pede a misericórdia da aliança. A realidade teológica da inspiração na elaboração de documentos bíblicos corresponde à das profecias faladas: embora as personalidades dos escritores humanos se manifestassem naquilo que escreveram, as palavras foram divinamente dadas. Assim, aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz; a autoridade das Escrituras é a autoridade de Deus, pois Ele é seu derradeiro Autor, tendo entregue as Escrituras através das mentes e palavras dos homens escolhidos e preparados, os quais, livre e fielmente, “falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21). Deve-se reconhecer as Escrituras Sagradas como a Palavra de Deus em virtude de sua origem divina.

Autoridade: Cristo e a Bíblia

Jesus Cristo, o Filho de Deus, que é a Palavra (Verbo) feita carne, nosso Profeta, Sacerdote e Rei, é o Mediador último da comunicação de Deus ao homem, como também o é de todos os dons da graça de Deus. A revelação dada por Ele foi mais do que verbal; Ele também revelou o Pai mediante Sua presença e Seus atos. Suas palavras, no entanto, foram de importância crucial, pois Ele era Deus, Ele falou da parte do Pai, e Suas palavras julgarão ao todos os homens no último dia.

Na qualidade de Messias prometido, Jesus Cristo é o tema central das Escrituras. O Antigo Testamento olhava para Ele no futuro; o Novo Testamento olha para trás, ao vê-lo em Sua primeira vinda, e para frente em Sua segunda vinda. As Escrituras canônicas são o testemunho divinamente inspirado e, portanto, normativo, a respeito de Cristo. Deste modo, não é aceitável alguma hermenêutica em que Cristo não seja o ponto central. Deve-se tratar as Escrituras Sagradas como aquilo que são em essência: o testemunho do Pai a respeito do Filho encarnado.

Parece que o cânon do Antigo Testamento já estava estabelecido à época de Jesus. Semelhantemente, o cânon do Novo Testamento está encerrado na medida em que nenhuma nova testemunha apostólica do Cristo histórico pode nascer agora. Nenhuma nova revelação (distinta da compreensão que o Espírito dá acerca da revelação existente) será dada até que Cristo volte. O cânon foi criado no princípio por inspiração divina. A parte da Igreja foi discernir o cânon que Deus havia criado, não elaborar o seu próprio cânon. Os critérios relevantes foram e são: autoria (ou Sua confirmação), conteúdo e o testemunho confirmador do Espírito Santo.

A palavra cânon, que significa regra ou padrão, é um indicador de autoridade, o que significa o direito de governar e controlar. No cristianismo a autoridade pertence a Deus em Sua revelação, o que significa, de um lado, Jesus Cristo, a Palavra viva, e, de outro, as Sagradas Escrituras, a Palavra escrita. Mas a autoridade de Cristo e das Escrituras são uma só. Como nosso Profeta, Cristo deu testemunho de que as Escrituras não podem falhar. Como nosso Sacerdote e Rei, Ele dedicou Sua vida terrena a cumprir a lei e os profetas, até ao ponto de morrer em obediência às palavras da profecia messiânica. Desta forma, assim como Ele via as Escrituras testemunhando dEle e de Sua autoridade, de igual modo, por Sua própria submissão às Escrituras, Ele testemunhou da autoridade delas. Assim como Ele se curvou diante da instrução de Seu Pai dada em Sua Bíblia (nosso Antigo Testamento), de igual maneira Ele requer que Seus discípulos assim o façam, todavia não isoladamente, mas em conjunto com o testemunho apostólico acerca dEle, testemunho que ele passou a inspirar mediante a Sua dádiva do Espírito Santo. Desta maneira, os cristãos revelam-se servos fiéis de seu Senhor, por se curvarem diante da instrução divina dada nos escritos proféticos e apostólicos que, juntos, constituem nossa Bíblia.

Ao confirmarem a autoridade um do outro, Cristo e as Escrituras fundem-se numa única fonte de autoridade. O Cristo biblicamente interpretado e a Bíblia centralizada em Cristo e que O proclama são, desse ponto de vista, uma só coisa. Assim como a partir do fato da inspiração inferimos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz, assim também a partir do relacionamento revelado entre Jesus Cristo e as Escrituras podemos igualmente declarar que aquilo que as Escrituras dizem, Cristo diz.

Infalibilidade, Inerrância, Interpretação

As Escrituras Sagradas, na qualidade de Palavra inspirada de Deus que dá testemunho oficial acerca de Jesus Cristo, podem ser adequadamente chamadas de infalíveis e inerrantes. Estes termos negativos possuem especial valor, pois salvaguardam explicitamente verdades positivas.

Infalível significa a qualidade de não desorientar nem ser desorientado e, dessa forma, salvaguarda em termos categóricos a verdade de que as Santas Escrituras são uma regra e um guia certos, seguros e confiáveis em todas as questões.

Semelhantemente, inerrante significa a qualidade de estar livre de toda falsidade ou engano e, dessa forma, salvaguarda a verdade de que as Santas Escrituras são totalmente verídicas e fidedignas em todas as suas afirmações.

Afirmamos que as Escrituras canônicas sempre devem ser interpretadas com base no fato de que são infalíveis e inerrantes. No entanto, ao determinar o que o escritor ensinado por Deus está afirmando em cada passagem, temos de dedicar a mais cuidadosa atenção às afirmações e ao caráter do texto como sendo uma produção humana. Na inspiração Deus utilizou a cultura e os costumes do ambiente de seus escritores, um ambiente que Deus controla em Sua soberana providência; é interpretação errônea imaginar algo diferente.

Assim, deve-se tratar história como história, poesia como poesia, e hipérbole e metáfora como hipérbole e metáfora, generalização e aproximações como aquilo que são, e assim por diante. Também se deve observar diferenças de práticas literárias entre os períodos bíblicos e o nosso: visto que, por exemplo, naqueles dias, narrativas são cronológicas e citações imprecisas eram habituais e aceitáveis e não violavam quaisquer expectativas, não devemos considerar tais coisas como falhas, quando as encontramos nos autores bíblicos. Quando não se esperava nem se buscava algum tipo específico de precisão absoluta, não constitui erro o fato de ela existir. As Escrituras são inerrantes não no sentido de serem totalmente precisas de acordo com os padrões atuais, mas no sentido de que validam suas afirmações e atingem a medida de verdade que seus autores buscaram alcançar.

A veracidade das Escrituras não é negada pela aparição, no texto, de irregularidades gramaticais ou ortográficas, de descrições fenomenológicas da natureza, de relatos de afirmações falsas (por exemplo, as mentiras de Satanás), ou as aparentes discrepâncias entre uma passagem e outra. Não é certo jogar os chamados fenômenos das Escrituras contra o ensino da Escritura sobre si mesma. Não se devem ignorar aparentes incoerências. A solução delas, onde se possa convincentemente alcança-las, estimulará nossa fé, e, onde no momento não houver uma solução convincente disponível, significativamente daremos honra a Deus, por confiar em Sua garantia de que Sua Palavra é verdadeira, apesar das aparências em contrário, e por manter a confiança de que um dia se verá que elas eram enganos.

Na medida em que toda a Escritura é o produto de uma só mente divina, a interpretação tem de permanecer dentro dos limites da analogia das Escrituras e abster-se de hipóteses que visam corrigir uma passagem bíblica por meio de outra, seja em nome da revelação progressiva ou do entendimento imperfeito por parte do escritor inspirado.

Embora as Sagradas Escrituras em lugar algum estejam limitadas pela cultura, no sentido de que seus ensinos carecem de validade universal, algumas vezes estão culturalmente condicionadas pelos hábitos e pelas idéias aceitas de um período em particular, de modo que a aplicação de seus princípios, hoje em dia, requer um tipo diferente de ação (por exemplo, na questão do corte de cabelo e do penteado das mulheres, cf. 1 Co 11).

Ceticismo e Crítica

Desde a Renascença, e mais especificamente desde o Iluminismo, têm-se desenvolvido filosofias que envolvem o ceticismo diante das crenças cristãs básicas. É o caso do agnosticismo, que nega que Deus seja cognoscível; do racionalismo, que nega que Ele seja incompreensível; do idealismo, que nega que Ele seja transcendente; e do existencialismo, que nega a racionalidade de Seus relacionamentos conosco. Quanto esses princípios não bíblicos e antibíblicos infiltram-se nas teologias do homem a nível das pressuposições, como freqüentemente acontecem hoje em dia, a fiel interpretação das Sagradas Escrituras torna-se impossível.

Transmissão e Tradução

Uma vez que em nenhum lugar Deus prometeu uma transmissão inerrante da Escritura, é necessário afirmar que somente o texto autográfico dos documentos originais foi inspirado e manter a necessidade da crítica textual como meio de detectar quaisquer desvios que possam ter se infiltrado no texto durante o processo de sua transmissão. O veredicto dessa ciência é, entretanto, que os textos hebraicos e grego parecem estar surpreendentemente bem preservados, de modo que tempos amplo apoio para afirmar, junto com a Confissão de Westminster, uma providência especial de Deus nessa questão e em declarar que de modo algum a autoridade das Escrituras corre perigo devido ao fato de que as cópias que possuímos não estão totalmente livres de erros.

Semelhantemente, tradução alguma é perfeita, nem pode sê-lo, e todas as traduções são um passo adicional de distanciamento dos autographa. Porém, o veredicto da lingüística é que pelo menos os cristãos de língua inglesa estão muitíssimo bem servidos na atualidade com uma infinidade de traduções excelentes e não têm motivo para hesitar em concluir que a Palavra verdadeira de Deus está ao seu alcance. Aliás, em vista da freqüente repetição, nas Escrituras, dos principais assuntos de que elas tratam e também em vista do constante testemunho do Espírito Santo a respeito da Palavra e através dela, nenhuma tradução séria das Santas Escrituras chegará a de tal forma destruir seu sentido, a ponto de tornar inviável que elas façam o seu leitor “sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 Tm 3.15).

Inerrância e Autoridade

Ao confiarmos que a autoridade das Escrituras envolve a verdade total da Bíblia, estamos conscientemente nos posicionando ao lado de Cristo e de Seus apóstolos, aliás, ao lado da Bíblia inteira e da principal vertente da história da igreja, desde os primeiros dias até bem recentemente. Estamos preocupados com a maneira casual, inadvertida e aparentemente impensada como uma crença de importância e alcance tão vastos foi por tantas pessoas abandonada em nossos dias.

Também estamos cônscios de que uma grande e grave confusão é resultado de parar de afirmar a total veracidade da Bíblia, cuja autoridade as pessoas professam conhecer. O resultado de dar esse passo é que a Bíblia que Deus entregou perde sua autoridade e, no lugar disso, o que tem autoridade é uma Bíblia com o conteúdo reduzido de acordo com as exigências do raciocínio crítico das pessoas, sendo que, a partir do momento em que a pessoa deu início a essa redução, esse conteúdo pode em princípio ser reduzido mais e mais. Isto significa que, no fundo, a razão independente possui atualmente a autoridade, em oposição ao ensino das Escrituras. Se isso não é visto e se, por enquanto, ainda são sustentadas as doutrinas evangélicas fundamentais, as pessoas que negam a total veracidade das Escrituras podem reivindicar uma identidade com os evangélicos, ao mesmo tempo em que, metodologicamente, se afastaram da posição evangélica acerca do conhecimento para um subjetivismo instável, e não acharão difícil ir ainda mais longe.

Afirmamos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz. Que Ele seja glorificado. Amém e amém.


1 Anteriormente publicada no site http://www.textosdareforma.net, que infelizmente deixou de existir.
Este texto foi uma produção de 1978 do ICBI – International Council on Biblical Inerrancy, em um esforço de defender a inerrância das Escrituras Sagradas, frente aos desafios lançados pelos liberais e neo-ortodoxos.
A seguinte nota se encontra no rodapé do documento no site de origem:
Retirado do apêndice do livro O ALICERCE DA AUTORIDADE BÍBLICA
James Montgomery Boice
Páginas 183 a 196
Editado por: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova
Edição: 1989; Reimpressão: 1997
Todos os direitos reservados pela editora – Reproduzido com autorização
Fone: 0xx11 5666-1911 – E-mail: evnsp@uol.com.br
Exerça seu Cristianismo: se vai usar nosso material, cite o autor, a editora e o nosso endereço.

CATECISMO BATISTA DE 1855¹


Compilado por Charles H. Spurgeon

Prólogo

“Tenho certeza que o uso de um bom catecismo por nossas famílias será uma grande proteção contra os erros doutrinários que cada dia aumentam. Por isso, formei este catecismo usando outros da Assembléia de Westminster, para ser usado em minha igreja. Se for usado em casa ou classes, deve ser explicado e as palavras cuidadosamente decoradas, pois serão melhor entendidas com o passar dos anos.

Que o Senhor abençoe meus amigos e suas famílias eternamente é a oração do seu pastor”.

C. H. Spurgeon.

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” (II Timóteo 2:15).

Introdução Histórica

Publicado depois de 14 de outubro de 1855, quando Spurgeon estava com 21 anos. Em 14 de outubro, Spurgeon, pregou seu sermão número 46 às pessoas que se juntaram para ouvi-lo na New Park Street Chapel. Quando o sermão foi publicado conteve um anúncio deste catecismo. O texto daquela manhã era: “SENHOR, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração.” (Salmos 90:1).

Catecismo

  1. Pergunta: Qual é o objetivo principal do homem?
    Resposta: O objetivo principal do homem é glorificar a Deus (I Coríntios 10:31), e ter comunhão com Ele para sempre (Salmo 73:25-26).

  2. Pergunta: Que regra Deus nos deu para nos ensinar como podemos glorificá-lO?
    Resposta: A Palavra de Deus, nas Escrituras do Velho e do Novo Testamentos (Efésios 2:20; II Timóteo 3:16), é a única regra que nos ensina como glorificar a Deus e ter comunhão com Ele (I João 1:3).

  3. Pergunta: O que é que as Escrituras ensinam principalmente?
    Resposta: As Escrituras ensinam principalmente o que o homem deve crer com relação a Deus, e o que Deus requer do homem (II Timóteo 1:13; Eclesiastes 12:13).

  4. Pergunta: Quem é Deus?
    Resposta: Deus é um Espírito (João 4:24), infinito (Jó 11:7), eterno (Salmo 90:2; I Timóteo 1:17), imutável (Tiago 1:17) em seu ser (Êxodo 3:14), sabedoria, poder (Salmo 147:5), santidade (Apocalipse 4:8), justiça, bondade e verdade (Êxodo 34:6-7).

  5. Pergunta: Há mais do que um Deus?
    Resposta: Há um só Deus (Deuteronômio 6:4) vivo e verdadeiro (Jeremias 10:10).

  6. Pergunta: Quantas pessoas há na Trindade?
    Resposta: Há três pessoas: o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Os três são um Deus, iguais em essência, poder e glória (I João 5:7; Mateus 28:19).

  7. Pergunta: Quais são os decretos de Deus?
    Resposta: Os decretos de Deus são Seu propósito eterno de acordo com o conselho de Sua própria vontade, pelo que por Sua própria glória Ele predestinou tudo o que haveria de acontecer (Efésios 1:11-12).

  8. Pergunta: Como Deus executa Seus decretos?
    Resposta: Deus executa Seus decretos nas obras da criação (Apocalipse 4:11) e providência (Daniel 4:35).

  9. Pergunta: O que são as obras da criação?
    Resposta: A obra da criação é Deus fazer tudo (Gênesis 1:1) do nada, pela palavra do Seu poder (Hebreus 11:3), e tudo muito bem (Gênesis 1:31).

  10. Pergunta: Como Deus criou o homem?
    Resposta: Deus criou o homem, macho e fêmea, à Sua própria imagem (Gênesis 1:27), em conhecimento, justiça, e santidade (Colossenses 3:10), com domínio sobre as criaturas (Gênesis 1:28).

  11. Pergunta: Quais são as obras da providência de Deus?
    Resposta: As obras de providência de Deus são o modo santo (Salmo 145:17), sábio (Isaías 28:29) e poderoso (Hebreus 1:3) de preservar e governar todas as Suas criaturas e Suas ações (Salmo 103:19).

  12. Pergunta: Que ato especial da providência Deus exerceu sobre o homem no estado em que foi criado?
    Resposta: Quando Deus criou o homem, fez um pacto de vida com ele, tendo como condição uma obediência perfeita (Gálatas 3:12); proibindo-o de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, sob a pena de morte (Gênesis 2:17).

  13. Pergunta: Nossos primeiros pais continuaram no estado em que foram criados?
    Resposta: Nossos primeiros pais, recebendo a liberdade da própria vontade, caíram do estado em que foram criados, ao pecarem contra Deus (Eclesiastes 7:29), comendo o fruto proibido (Gênesis 3:6-8).

  14. Pergunta: O que é pecado?
    Resposta: Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus ou qualquer transgressão dessa lei (I João 3:4).

  15. Pergunta: Toda a raça humana caiu na primeira transgressão de Adão?
    Resposta: O pacto foi feito com Adão, não só para si como para sua posteridade, e sendo que toda a humanidade originou-se e descendeu dele, pecou e caiu com ele nesta primeira transgressão (I Coríntios 15:22; Romanos 5:12).

  16. Pergunta: A queda levou a raça humana a que estado?
    Resposta: A queda levou toda a raça humana a um estado de pecado e miséria (Romanos 5:18).

  17. Pergunta: Em que consiste a pecaminosidade do estado em que o homem caiu?
    Resposta: A pecaminosidade do estado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro pecado de Adão (Romanos 5:19), a falta de justiça-própria (Romanos 3:10), e a corrupção da natureza toda, que é chamado comumente de pecado original (Efésios 2:1), juntamente com todas as transgressões que procedem dele (Mateus 15:19).

  18. Pergunta: Qual é a miséria desse estado em que o homem caiu?
    Resposta: Toda a raça humana, pela queda, perdeu a comunhão com Deus (Gênesis 3:8 e 24), está sob Sua ira e maldição (Efésios 2:3; Gálatas 3:10), e assim sujeita a todas as misérias nesta vida, à própria morte e ao tormento do inferno para sempre (Romanos 6:23; Mateus 25:41).

  19. Pergunta: Deus deixou a raça humana perecer no estado de pecado e miséria?
    Resposta: Deus tendo, de Sua boa vontade desde toda a eternidade, eleito alguns para a vida eterna (II Tessalonicenses 2:13), fez um pacto de graça, para livrá-los do estado de pecado e miséria e trazê-los ao estado da salvação através do Redentor (Romanos 5:21).

  20. Pergunta: Quem é o Redentor dos eleitos de Deus?
    Resposta: O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo (I Timóteo 2:5), que sendo o Filho eterno de Deus, se tornou homem (João 1:14), sendo e continuando a ser Deus e Homem, com duas naturezas distintas e uma pessoa para sempre (Colossenses 2:9).

  21. Pergunta: Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se tornou homem?
    Resposta: Cristo, o Filho de Deus, se tornou homem ao receber um corpo real (Hebreus 2:14), e alma racional (Mateus 26:38), sendo concebido pelo poder do Espírito Santo na virgem Maria, e nascendo dela (Lucas 1:31,35), mas sem pecado (Hebreus 7:26).

  22. Pergunta: Que ofícios Cristo executa como nosso Redentor?
    Resposta: Cristo, como nosso Redentor, executa os ofícios de profeta (Atos 3:22), sacerdote (Hebreus 5:6) e rei (Salmo 2:6); tanto em Seu estado de humilhação, como de exaltação.

  23. Pergunta: Como Cristo executa o ofício de profeta?
    Resposta: Cristo executa o ofício de profeta, revelando em nós (João 1:18), através de Sua Palavra (João 20:31) e Espírito (João 14:26), a vontade de Deus para nossa salvação.

  24. Pergunta: Como Cristo executa o ofício de sacerdote?
    Resposta: Cristo executa o ofício de sacerdote ao Se oferecer uma vez como sacrifício, a fim de satisfazer a justiça divina (Hebreus 9:28), e nos reconciliar com Deus (Hebreus 2:17), e ao fazer intercessão contínua por nós (Hebreus 7:25).

  25. Pergunta: Como Cristo executa o ofício de rei?
    Resposta: Cristo executa o ofício de rei ao nos sujeitar para Si (Salmo 110:3), ao reinar e nos defender (Mateus 2:6; I Coríntios 15:25) e ao reter e vencer todos os Seus e nossos inimigos.

  26. Pergunta: Em que consiste a humilhação de Cristo?
    Resposta: A humilhação de Cristo consiste em ter nascido, em humilde condição (Lucas 2:7), sob a lei (Gálatas 4:4), sofrendo as misérias desta vida (Isaías 53:3), a ira de Deus (Mateus 27:46), a maldição da morte na cruz (Filipenses 2:8), ao ser sepultado, e por um tempo continuar sob o poder da morte (Mateus 12:40).

  27. Pergunta: Em que consiste a exaltação de Cristo?
    Resposta: A exaltação de Cristo consiste em Sua ressurreição dos mortos ao terceiro dia (I Coríntios 15:4), em Sua ascensão ao céu e no fato de estar sentado à destra de Deus Pai (Marcos 16:19), e em Sua vinda para julgar o mundo no último dia (Atos 17:31).

  28. Pergunta: Como somos feitos participantes da redenção comprada por Cristo?
    Resposta: Somos feitos participantes da redenção comprada por Cristo, através da aplicação eficaz disto a nós (João 1:12) pelo Espírito Santo (Tito 3:5-6).

  29. Pergunta: Como o Espírito Santo aplica a redenção comprada por Cristo a nós?
    Resposta: O Espírito Santo aplica a redenção comprada por Cristo a nós, por operar fé em nós (Efésios 2:8) e unindo-nos assim a Cristo em sua chamada eficaz (Efésios 3:17).

  30. Pergunta: O que é a chamada eficaz?
    Resposta: A chamada eficaz é a obra do Espírito de Deus (II Timóteo 1:9), pela qual, Ele nos convence de nosso pecado e miséria (Atos 2:37), ilumina nossa mente no conhecimento de Cristo (Atos 26:18), renova nossa vontade (Ezequiel 36:26), nos persuade e capacita a abraçar Jesus Cristo oferecido gratuitamente a nós no Evangelho (João 6:44-45).

  31. Pergunta: Que benefícios têm nesta vida aqueles que são chamados eficazmente?
    Resposta: Os que são chamados eficazmente tem nesta vida a justificação (Romanos 8:30), adoção (Efésios 1:5), santificação, e os vários outros benefícios, que ou os acompanham ou fluem delas (I Coríntios 1:30).

  32. Pergunta: O que é justificação?
    Resposta: A justificação é o ato da livre graça de Deus, em que Ele perdoa todos os nossos pecados (Romanos 3:24), e nos aceita como justos em sua vista (II Coríntios 5:21), só pela justiça de Cristo imputada a nós (Romanos 5:19), que é recebido unicamente pela fé (Gálatas 2:16; Filipenses 3:9).

  33. Pergunta: O que é adoção?
    Resposta: A adoção é o ato da livre graça de Deus (I João 3:1), pela qual somos recebidos no número dos salvos, e temos o direito a todos os privilégios dos filhos de Deus (João 1:12; Romanos 8:17).

  34. Pergunta: O que é santificação?
    Resposta: A santificação é a obra do Espírito de Deus (II Tessalonicenses 2:13), pela qual somos renovados no homem novo feito à imagem de Deus (Efésios 4:24), e somos mais e mais capacitados a morrer para o pecado, e a viver para a justiça (Romanos 6:10).

  35. Pergunta: Quais são os benefícios que acompanham ou fluem da justificação, adoção e santificação nesta vida?
    Resposta: Os benefícios que acompanham ou fluem da justificação nesta vida (Romanos 5:1-2, 5), são a certeza do amor de Deus, paz de consciência, gozo no Espírito Santo (Romanos 14:17), crescimento na graça de Deus, e perseverança até o fim (Provérbios 4:18; I João 5:13; I Pedro 1:5).

  36. Pergunta: Que benefícios os crentes recebem de Cristo quando morrem?
    Resposta: O espírito dos crentes na morte se torna perfeito em santidade (Hebreus 12:23), e passa imediatamente para a glória (Filipenses 1:23; II Coríntios 5:8; Lucas 23:43), e seu corpo, sendo ainda unido a Cristo (I Tessalonicenses 4:14), descansa no túmulo (Isaías 57:2) até a ressurreição (Jó 19:26).

  37. Pergunta: Que benefícios os crentes recebem de Cristo na ressurreição?
    Resposta: Na ressurreição, os crentes sendo ressuscitados em glória (I Coríntios 15: 43), serão reconhecidos e declarados justificados no dia do juízo (Mateus 10:32), e feitos perfeitamente abençoados tanto no espírito quanto no corpo desfrutando completamente a comunhão com Deus (I João 3:2) por toda a eternidade (I Tessalonicenses 4:17).

  38. Pergunta: O que acontecerá ao ímpio em sua morte?
    Resposta: O espírito do ímpio será lançado nos tormentos do inferno na morte (Lucas 16:22-24), e o corpo ficará no túmulo até a ressurreição e julgamento do grande dia (Salmo 49:14).

  39. Pergunta: O que acontecerá ao ímpio no dia do juízo?
    Resposta: No dia do juízo o corpo do ímpio será ressuscitado do túmulo e sentenciado, juntamente com o espírito, a inexprimíveis tormentos juntamente com o diabo e seus anjos para sempre (Daniel 12:2; João 5:28-29; II Tessalonicenses 1:9; Mateus 25:41).

  40. Pergunta: O que Deus revelou ao homem como regra de obediência?
    Resposta: A primeira regra que Deus revelou ao homem foi a lei moral (Deuteronômio 10:4; Mateus 19:17), que deve ser obedecida e que está resumidamente compreendida nos dez mandamentos.

  41. Pergunta: Em que se resume os dez mandamentos?
    Resposta: Os dez mandamentos se resumem em amar ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu pensamento; e o teu próximo como a ti mesmo (Mateus 22:37-40).

  42. Pergunta: Qual é o primeiro mandamento?
    Resposta: O primeiro mandamento é: Êxodo 20:3. “Não terás outros deuses diante de mim”.

  43. Pergunta: O que se exige no primeiro mandamento?
    Resposta: O primeiro mandamento exige que conheçamos (I Crônicas 28:9) e reconheçamos Deus como nosso único Deus verdadeiro (Deuteronômio 26:17) e adorar e glorificá-lO assim (Mateus 4:10).

  44. Pergunta: Qual é o segundo mandamento?
    Resposta: O segundo mandamento é: Êxodo 20:4-6. “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”.

  45. Pergunta: O que se exige no segundo mandamento?
    Resposta: O segundo mandamento exige receber, observar (Deuteronômio 32:56) e manter puros e completos toda a adoração religiosa e ordenanças como Deus mostrou em sua Palavra (Deuteronômio 12:32).

  46. Pergunta: O que é proibido no segundo mandamento?
    Resposta: O segundo mandamento proíbe a adoração a Deus através de imagens (Deuteronômio 4:15-16) ou qualquer outro modo que não está mostrado na Sua Palavra (Colossenses 2:18).

  47. Pergunta: Qual é o terceiro mandamento?
    Resposta: O terceiro mandamento é: Êxodo 20:7. “Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”.

  48. Pergunta: O que se exige no terceiro mandamento?
    Resposta: O terceiro mandamento exige o uso santo e reverente dos nomes (Salmo 29:2), títulos, atributos (Apocalipse 15:3-4), ordenanças (Eclesiastes 5:1), palavra (Salmo 138:2) e obras (Jó 36:24; Deuteronômio 28:58-59) de Deus.

  49. Pergunta: Qual é o quarto mandamento?
    Resposta: O quarto mandamento é: Êxodo 20:8-11. “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas”.

  50. Pergunta: O que se exige no quarto mandamento?
    Resposta: O quarto mandamento exige que sejam reservados santos a Deus os tempos que Ele determinou em Sua Palavra, especialmente um dia completo dos sete, que deve ser um Sabbath santificado a Ele (Levítico 19:30).

  51. Pergunta: Como se deve santificar o Sabbath?
    Resposta: O dia do Senhor deve ser santificado através de um descanso santo do dia inteiro, até mesmo de trabalhos e divertimentos mundanos que são certos nos outros dias (Levítico 23:3), e passar o tempo inteiro em adoração pública ou particular a Deus (Salmo 92:1-2), exceto nas obras necessárias de caridade (Mateus 12:11-12).

  52. Pergunta: Qual é o quinto mandamento?
    Resposta: O quinto mandamento é: Êxodo 20:12. “Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá”.

  53. Pergunta: O que se exige no quinto mandamento?
    Resposta: O quinto mandamento exige preservar a honra e realizar as obrigações devidas aos pais e a cada um em vários lugares e relacionamentos a superiores (Efésios 5:21-22), inferiores (Efésios 6:1, 5) ou iguais (Romanos 13:1).

  54. Pergunta: Que razão vem anexada ao quinto mandamento?
    Resposta: A razão anexada ao quinto mandamento é uma promessa de longa vida e prosperidade aqueles que guardam este mandamento de Deus e O servem para Sua glória e seu próprio bem (Efésios 6:2-3).

  55. Pergunta: Qual é o sexto mandamento?
    Resposta: O sexto mandamento é: Êxodo 20:13. “Não matarás”.

  56. Pergunta: O que o sexto mandamento proíbe?
    Resposta: O sexto mandamento proíbe tirar a própria vida (Atos 16:28), ou a do próximo sem razão (Gênesis 9:6), ou tudo o que inclina-se a isso (Provérbios 24:11-12).

  57. Pergunta: Qual é o sétimo mandamento?
    Resposta: O sétimo mandamento é: Êxodo 20:14. “Não adulterarás”.

  58. Pergunta: O que o sétimo mandamento proíbe?
    Resposta: O sétimo mandamento proíbe todos os pensamentos (Mateus 5:28; Colossenses 4:6), palavras (Efésios 5:4; II Timóteo 2:22), e ações (Efésios 5:3) que são impuros.

  59. Pergunta: Qual é o oitavo mandamento?
    Resposta: O oitavo mandamento é: Êxodo 20:15. “Não furtarás”.

  60. Pergunta: O que o oitavo mandamento proíbe?
    Resposta: O oitavo mandamento proíbe tudo que prejudica a riqueza, prosperidade ou bem-estar de nós mesmos (I Timóteo 5:8; Provérbios 28:19; Provérbios 21:6) ou dos outros (Efésios 4:28) injustamente.

  61. Pergunta: Qual é o nono mandamento?
    Resposta: O nono mandamento é: Êxodo 20:16. “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo”.

  62. Pergunta: O que o nono mandamento exige?
    Resposta: O nono mandamento exige manter a verdade entre homem e homem (Zacarias 8:16), e manter limpo nosso nome (I Pedro 3:16; Atos 25:10) e o do próximo (III João 12), especialmente perante um tribunal (Provérbios 14:5,25).

  63. Pergunta: Qual é o décimo mandamento?
    Resposta: O décimo mandamento é: Êxodo 20:17. “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”.

  64. Pergunta: O que o décimo mandamento proíbe?
    Resposta: O décimo mandamento proíbe o descontentamento com o que temos (I Coríntios 10:10), inveja ou cobiça com o que é do próximo (Gálatas 5:26), e todas as emoções e afeições desordenadas em relação a qualquer coisa que pertença a ele (Colossenses 3:5).

  65. Pergunta: Existe alguém capaz de cumprir perfeitamente os mandamentos de Deus?
    Resposta: Nenhum mero homem, desde a queda, pode guardar perfeitamente os mandamentos de Deus nesta vida (Eclesiastes 7:20), mas diariamente os quebra em pensamentos (Gênesis 8:21), palavras (Tiago 3:8) e ações (Tiago 3:2).

  66. Pergunta: Todas as transgressões da lei são igualmente odiosas?
    Resposta: Alguns pecados em si, e através de vários agravantes, são mais odiosos à vista de Deus do que outros (I João 19:11; I João 5:16).

  67. Pergunta: O que cada pecado merece?
    Resposta: Cada pecado merece a ira e maldição de Deus, tanto nesta quanto na vida porvir (Efésios 5:6; Salmo 11:6).

  68. Pergunta: Como podemos escapar da ira e maldição de Deus, merecidas por nós, por causa dos nossos pecados?
    Resposta: Para escaparmos da ira e maldição de Deus, merecidas por nós, por causa do pecado, temos que crer no Senhor Jesus Cristo (João 3:16), confiando só em Seu sangue e justiça. Esta fé é acompanhada pelo arrependimento da vida passada pecaminosa (Atos 20:21) e leva à santidade na vida cristã futura.

  69. Pergunta: O que é fé em Jesus Cristo?
    Resposta: Fé em Jesus Cristo é a graça de Deus (Hebreus 10:39), pela qual recebemos (João 1:12) e descansamos só nEle para a salvação (Filipenses 3:9), como Ele anunciou no Evangelho (Isaías 33:22).

  70. Pergunta: O que é arrependimento para a vida?
    Resposta: Arrependimento para a vida é a graça de Deus (Atos 11:18), por meio da qual um pecador, sentindo os próprios pecados (Atos 2:37) e entendendo e recebendo a misericórdia de Deus em Cristo (Joel 2:13), com tristeza e ódio deixa os seus pecados e volta-se para Deus (Jeremias 31:18-19), com o firme propósito de se esforçar para obedecer o seu Senhor (Salmo 119:59).

  71. Pergunta: Quais são os meios exteriores pelos quais o Espírito Santo nos comunica os benefícios da redenção?
    Resposta: Os meios exteriores e comuns pelos quais o Espírito Santo nos comunica os benefícios da redenção de Cristo são a Palavra, através da qual as almas são geradas (regeneradas) para uma vida espiritual; o Batismo, a Ceia do Senhor, a Oração e a Meditação, pelos quais todos os crentes são posteriormente edificados na mais santa fé (Atos 2:41-42; Tiago 1:18).

  72. Pergunta: Como a Palavra se torna eficaz para a salvação?
    Resposta: O Espírito de Deus faz da leitura, mas especialmente da pregação da Palavra, meios eficazes de convencer e converter os pecadores (Salmo 19:7), e de edificá-los em santidade (I Tessalonicenses 1:6), pela fé para a salvação (Romanos 1:16).

  73. Pergunta: Como a Palavra deve ser lida e ouvida para que se torne eficaz para a salvação?
    Resposta: Para que a Palavra se torne eficaz para a salvação, devemos ouvi-la com diligência (Provérbios 8:34), preparação (I Pedro 2:1-2) e oração (Salmo 119:18), recebendo-a com fé (Hebreus 4:2) e amor (II Tessalonicenses 2:10), gravando-a no coração (Salmo 119:11), e praticando-a na vida (Tiago 1:25).

  74. Pergunta: Como o Batismo e a Ceia do Senhor se tornam úteis espiritualmente?
    Resposta: O Batismo e a Ceia do Senhor se tornam úteis espiritualmente, não por causa de nenhuma virtude em si mesmos, nem em quem os administra (I Coríntios 3:7; I Pedro 3:21), mas só pela bênção de Cristo (I Coríntios 3:6) e obra do Espírito naqueles que os recebem pela fé (I Coríntios 12:13).

  75. Pergunta: O que é o Batismo?
    Resposta: O Batismo é uma ordenança do Novo Testamento, instituído por Jesus Cristo (Mateus 28:19), para ser à pessoa batizada o símbolo de sua comunhão com Ele em sua morte, sepultamento e ressurreição (Romanos 6:3; Colossenses 2:12), de ser enxertado nEle (Gálatas 3:27), da remissão dos pecados (Marcos 1:4; Atos 22:16) e de sua entrega a Deus através de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade de vida (Romanos 6:4-5).

  76. Pergunta: Quem pode ser batizado?
    Resposta: Todos aqueles que realmente professam arrependimento (Atos 2:38; Mateus 3:6; Marcos 16:16; Atos 8:12, 36-37; Atos 10:47-48) para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo e nenhum outro.

  77. Pergunta: Os filhinhos dos que se professam crentes devam ser batizados?
    Resposta: Os filhinhos de tais crentes professos não devem ser batizados porque não há ordem nem exemplo nas Santas Escrituras para que sejam batizados (Êxodo 23:13; Provérbios 30:6).

  78. Pergunta: Como é o batismo administrado de modo correto?
    Resposta: O batismo administrado de modo correto é pela imersão, isto é: o mergulho de todo o corpo da pessoa na água (Mateus 3:16), em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, de acordo com a instituição de Cristo e a prática dos apóstolos (Mateus 28:19-20), e não pela aspersão ou derramamento de água, ou mergulho de uma parte do corpo, segundo a tradição dos homens (João 4:1-2).

  79. Pergunta: Qual é a obrigação daqueles que são corretamente batizados?
    Resposta: É obrigação daqueles corretamente batizados, se darem a uma igreja verdadeira de Jesus Cristo em particular (Atos 2:47; I Pedro 2:5), para que possam andar irrepreensíveis em todos os mandamentos e ordenanças do Senhor (Lucas 1:6).

  80. Pergunta: O que é a Ceia do Senhor?
    Resposta: A Ceia do Senhor é uma ordenança do Novo Testamento, instituída por Jesus Cristo; pela qual dando e recebendo pão e vinho, de acordo com a ordem do Senhor, Sua morte é mostrada (I Coríntios 11:23-26) e os recebedores são, não de forma carnal nem corpórea, mas pela fé, feitos participantes de Seu corpo e sangue, com todos os Seus benefícios, ao alimento espiritual e crescimento em graça (I Coríntios 10:26).

  81. Pergunta: O que se requer para se receber dignamente a Ceia do Senhor?
    Resposta: Requer-se daqueles que desejam participar dignamente da Ceia do Senhor, que se examinem para saber se discerniram o corpo do Senhor corretamente (I Coríntios 11:28-29), a sua fé (II Coríntios 13:5), arrependimento (I Coríntios 11:31), amor (I Coríntios 11:18-20), obediência (I Coríntios 5:8), a fim de que participando indignamente não comam e bebam condenação para si (I Coríntios 11:27-29).

  82. Pergunta: O que significam as palavras: “Até que venha”, usadas pelo apóstolo Paulo em referência à Ceia do Senhor?
    Resposta: Elas ensinam claramente que nosso Senhor Jesus Cristo virá outra vez; o que é a alegria e esperança de todos os crentes (Atos 1:11; I Tessalonicenses 4:16).

1 Anteriormente publicado no site http://www.textosdareforma.net, que infelizmente deixou de existir.

Os Cânones de Dordt


Tradução: Walter Andrade Campelo

Introdução

A decisão do Sínodo de Dordt (ou Sínodo de Dort) sobre os Cinco Pontos Principais de Doutrina em Disputa na Holanda é popularmente conhecida como os Cânones de Dordt (ou os Cânones de Dort). Ele consiste de declarações de doutrina adotadas pelo grande Sínodo de Dordt que se reuniu na cidade de Dordrecht em 1618-19. Apesar de este ter sido um sínodo nacional das Igrejas Reformadas da Holanda, ele teve um caráter internacional, pois não foi composto somente por delegados holandeses, mas também por vinte e seis delegados de oito países estrangeiros.

O Sínodo de Dordt foi reunido para resolver uma séria controvérsia nas igrejas holandesas iniciada pelo surgimento do Arminianismo. Jacob Arminius, um professor de teologia na Universidade de Leiden, questionou o ensino de Calvino e seus seguidores em um número de importantes pontos. Após a morte de Arminius, seus próprios seguidores apresentaram seus pareceres em cinco destes pontos na Representação de 1610. Neste documento ou em escritos posteriores mais explícitos, os Arminianos ensinavam a eleição baseada em fé prevista, expiação universal, depravação parcial, graça resistível, e a possibilidade de queda da graça. Nos Cânones o Sínodo de Dordt rejeitou estes pareceres e estabeleceu a doutrina Reformada nestes pontos, a saber: eleição incondicional, expiação limitada, depravação total [da humanidade], graça irresistível, e perseverança dos santos.

Os Cânones tem um caráter especial devido ao seu propósito original como decisão judicial sobre os pontos de doutrina em disputa durante a controvérsia Arminiana. O prefácio original lhes chamou de “julgamento, no qual tanto o verdadeiro parecer, de acordo com a Palavra de Deus, concernente os supracitados cinco pontos de doutrina são explicados, como o falso parecer, discordante da Palavra de Deus, é rejeitado”. Os Cânones também tem um caráter limitado em que eles não cobrem todo o leque de doutrina, mas está focado nos cinco pontos de doutrina em disputa.

Cada um dos cinco pontos principais consiste de uma parte positiva e de uma parte negativa, a primeira sendo uma exposição da doutrina Reformada sobre o assunto, e a última uma rejeição dos correspondentes erros. Cada erro que é rejeitado será aqui mostrado como uma citação em azul e itálicas. Apesar de no formato haver somente quatro pontos, nós trataremos propriamente de cinco pontos, porque os Cânones foram estruturados para corresponder aos cinco artigos da Representação de 1610. Os pontos principais 3 e 4 foram combinados em um, sendo designados como Terceiro e Quarto Pontos Principais.

Esta tradução para o português foi desenvolvida a partir da tradução dos Cânones de Dordt para a língua inglesa, feita com base nos originais em latim, e que foi adotada pelo Sínodo da Igreja Cristã Reformada em 1986. Os textos bíblicos aqui apresentados foram transcritos a partir da tradução do Texto Sagrado para a língua portuguesa realizada por João Ferreira de Almeida (em versão Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original), publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, em 1995.

Ao final de cada artigo na parte positiva de cada um dos pontos principais deste documento foram acrescidas referências bíblicas, diretamente relacionadas com o tópico tratado, de modo a facilitar o estudo bíblico deste documento. Estas referências não fazem parte do documento original, e estão apresentadas com tipo de tamanho reduzido e em vermelho.

A Decisão do Sínodo de Dordt sobre os Cinco Pontos Principais de Doutrina em Disputa na Holanda

Primeiro Ponto Principal de Doutrina

Rejeição de Erros (I)

Segundo Ponto Principal de Doutrina

Rejeição de Erros (II)

Terceiro e Quarto Pontos Principais de Doutrina

Rejeição de Erros (III/IV)

Quinto Ponto Principal de Doutrina

Rejeição de Erros (V)

Conclusão


Primeiro Ponto Principal de Doutrina

Divina Eleição e Reprovação

O Julgamento Concernente à Divina Predestinação a Qual o Sínodo Declara Estar de Acordo com a Palavra de Deus e Aceita Até Agora nas Igrejas Reformadas, Estabelecida em Vários Artigos.

Artigo 1: O Direito de Deus de Condenar Todas as Pessoas

Desde que todas as pessoas têm pecado em Adão e estão sob a sentença de maldição e morte eterna, Deus não cometeria injustiça contra ninguém se fosse sua vontade deixar toda a raça humana em pecado e debaixo de maldição, e condená-la por causa do seu pecado. Como diz o apóstolo: todo o mundo seja condenável diante de Deus (Rm.3:19), Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm.3:23), e porque o salário do pecado é a morte (Rm.6:23).

Rm.5:12; Rm.3:19,23; Rm.6:23

Artigo 2: A Manifestação do Amor de Deus

Mas é assim que Deus mostrou seu amor: ele enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

I Jo.4:9; Jo.3:16

Artigo 3: A Pregação do Evangelho

Para que as pessoas possam ser trazidas à fé, Deus misericordiosamente envia proclamadores desta jubilosa mensagem às pessoas que ele quer e no momento em que ele quer. E por meio deste ministério as pessoas são chamadas ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Por que como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? (Rm.10:14-15).

Is.52:7; I Co.1:23-24; Rm.10:14-15

Artigo 4: Uma Dupla Resposta ao Evangelho

A ira de Deus permanece sobre aqueles que não crêem no Evangelho. Mas aqueles que o aceitam e abraçam a Jesus, o Salvador, com uma fé viva e verdadeira, [estes] são libertos através dele da ira de Deus e da destruição, e recebem o dom da vida eterna.

Jo.3:36; Mc.16:16; Rm.10:9

Artigo 5: As Fontes da Incredulidade e da Fé

A causa ou a responsabilidade por esta incredulidade, assim como por todos os outros pecados, não está de modo algum em Deus, mas no homem. A Fé em Jesus Cristo, entretanto, e a salvação através dele são um dom gratuito de Deus. Como dizem as Escrituras: Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (Ef.2:8). Do mesmo modo: Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo… crer nele (Fl.1:29).

Hb.4:6; Ef.2:8; Fl.1:29

Artigo 6: Decreto Eterno de Deus

O fato de que alguns recebem de Deus o dom da fé durante a vida, e que outros não, se origina de seu decreto eterno. Porque todas as suas obras são conhecidas por Deus desde a eternidade (At.15:18; Ef.1:11). De acordo com este decreto ele graciosamente amolece os corações outrora duros de seus escolhidos e os inclina a crer, mas por seu justo julgamento deixa em suas maldades e dureza de coração aqueles que não foram escolhidos. E nisto especialmente nos é manifesto este ato — insondável, e tão misericordioso quanto justo — de distinguir entre pessoas igualmente perdidas. Este é o bem conhecido decreto de eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Este decreto os maldosos, impuros, e instáveis distorcem para sua própria perdição, mas, ele supre as almas santas e pias com um consolo inexprimível.

At.13:48; I Pe.2:8; Ef.1:11

Artigo 7: Eleição

Eleição [ou escolha] é o imutável propósito de Deus pelo qual ele fez o seguinte:

Antes da fundação do mundo, por pura graça, segundo o soberano bom propósito da sua vontade, ele escolheu em Cristo para a salvação um número definido de pessoas em particular dentre toda a raça humana, a qual caiu de sua inocência original, por sua própria falta, em pecado e ruína. Aqueles escolhidos não foram nem melhores nem mais merecedores que os outros, mas se prostram com eles na mesma situação de miséria. [Deus] fez isto em Cristo, o qual também designou desde a eternidade para ser o mediador, o cabeça de todos os escolhidos, e o alicerce de sua salvação. E assim [Deus] decidiu dar os escolhidos a Cristo para serem salvos, e chamá-los e efetivamente atraí-los à comunhão com Cristo através de sua Palavra e Espírito. Em outras palavras, ele decidiu conceder-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-los, santificá-los, e finalmente, após sua poderosa preservação em comunhão com seu Filho, glorificá-los.

Deus fez isto tudo para demonstrar sua misericórdia, para louvor das riquezas de sua gloriosa graça.

As Escrituras dizem: Como [Deus] também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado” (Ef.1:4-6). E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).

Ef.1:4,11; Jo.17:2,12,24; Jo.6:37,44; I Co.1:9; Ef.1:4-6; Rm.8:30

Artigo 8: Um Único Decreto de Eleição

Esta eleição não é de muitos tipos; é uma e exatamente a mesma eleição para todos os que deveriam ser salvos tanto no Velho e como no Novo Testamento. Porque a Escritura declara que há um único beneplácito, propósito, e conselho da vontade de Deus, pelo qual ele nos escolheu desde a eternidade tanto para a graça quanto para a glória, tanto para a salvação quanto para o caminho da salvação, o qual ele de antemão preparou para que andássemos nele.

Dt.7:7; Dt.9:6; Ef.1:4-5; Ef.2:10

Artigo 9: Eleição Não Baseada em Presciência de Fé

Esta mesma eleição não aconteceu com base em previsão de fé, de obediência à fé, de santidade, ou de qualquer outra boa qualidade ou disposição, como se fosse baseada em um pré-requisito, uma causa ou uma condição na pessoa a ser escolhida, mas ao contrário, [aconteceu] para o propósito da fé, da obediência à fé, da santidade, e assim por diante.

Concordemente, a eleição é a fonte de cada um dos benefícios da salvação. A fé, a santidade, e os outros dons da salvação, e ao final a própria vida eterna, fluem da eleição como seus frutos e efeitos. Como diz o apóstolo: Como também nos elegeu… (não porque seríamos, mas)… para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor (Ef.1:4).

Rm.8:30; Ef.1:4

Artigo 10: Eleição Baseada na Boa Vontade de Deus

Mas a causa desta eleição imerecida é exclusivamente a boa vontade de Deus. Isto não implica ele escolher certas qualidades ou ações humanas, entre todas aquelas possíveis, como condição para a salvação, mas ao contrário implica sua adoção de certas pessoas em particular dentre a massa comum de pecadores como sua própria possessão. Como dizem as Escrituras: Não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal… Foi dito a ela (Rebeca): O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú (Rm.9:11-13). Também: Creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48).

Rm.9:11-13; Gn.25:23; Ml.1:2-3; At.13:48

Artigo 11: Eleição Imutável

Exatamente como o próprio Deus é sumamente sábio, imutável, onisciente, e Todo-Poderoso, deste modo a eleição feita por ele não pode ser nem suspensa, nem alterada, revogada, ou anulada; nem seus escolhidos podem ser lançados fora, ou seu número ser reduzido.

Jo.6:37; Jo.10:28

Artigo 12: A Garantia da Eleição

A garantia dessa sua eterna e imutável eleição para salvação é dada aos escolhidos no tempo devido, ainda que em vários estágios e em diferentes medidas. Tal garantia não vem através de uma busca inquisitiva nas coisas ocultas e profundas de Deus, mas observando dentro deles mesmos, com alegria espiritual e santo deleite, os inconfundíveis frutos da eleição assinalados na Palavra de Deus — tais como: verdadeira fé em Cristo, temor filial de Deus, santo arrependimento por seus pecados, fome e sede de justiça, e assim por diante.

Dt.29:29; I Co.2:10-11; II Co.13:5; II Co.7:10; Mt.5:6

Artigo 13: O Fruto Desta Garantia

Por sua consciência e segurança desta eleição diariamente os filhos de Deus encontram enorme razão para se humilharem diante de Deus, para adorar a insondável profundidade de suas misericórdias, para se purificarem, e para retornarem fervoroso amor a ele que primeiro tão grandemente os amou. Isto está longe de dizer que esta doutrina concernente à eleição, e que a reflexão sobre ela, faça os filhos de Deus [se tornarem] negligentes em observar seus mandamentos ou carnalmente autoconfiantes. Pelo justo julgamento de Deus isto usualmente acontece àqueles que levianamente têm por concedida a graça da eleição e engajam-se em inútil e impudente discussão sobre ela, mas que relutam em andar no caminho dos escolhidos.

I Jo.3:3; I Jo.4:19

Artigo 14: Ensinando Adequadamente a Eleição

Exatamente como, pelo sábio plano de Deus, esta doutrina concernente à divina eleição foi proclamada através dos profetas, pelo próprio Cristo, e pelos apóstolos, nos tempos do Velho e do Novo Testamento, assim também deve ser proclamada hoje na igreja de Deus. Pois, como foi especificamente planejada, esta doutrina deve ser assim proclamada — com um espírito de discrição, de modo reverente e santo, no tempo e lugar apropriado, sem uma busca inquisitiva nos caminhos do Altíssimo. Isto deve ser feito para a glória do santíssimo nome de Deus, e para o vivificante consolo do seu povo.

At.20:27; Jó 36:23-26; Rm.11:33; Rm.12:3; I Co.4:6

Artigo 15: Reprovação

Além disto, a Sagrada Escritura, muito especialmente, ilumina a eterna e imerecida graça da nossa eleição e a torna mais clara a nós, em que testifica que nem todas as pessoas foram escolhidas, mas que algumas não foram escolhidas ou foram deixadas fora da eterna eleição de Deus. — Aqueles sobre os quais Deus tomou, com base em sua plena soberania, e em seu mui justo, impecável, e imutável juízo, a seguinte decisão: Deixá-los na miséria comum na qual, pelo seu próprio erro, eles mergulharam a si mesmos; e não conceder-lhes a fé salvadora e a graça da conversão; mas finalmente condená-los e eternamente puni-los (tendo sido deixados em seus próprios caminhos e sob seu justo julgamento), não somente por sua incredulidade, mas também por todos os seus outros pecados, de modo a mostrar a sua justiça. E esta decisão de reprovação, de modo algum faz de Deus o autor do pecado (um pensamento blasfemo!), mas ao contrário, o faz o temível, irrepreensível, e justo juiz e vingador.

Rm.9:22; I Pe.2:8; At.14:16

Artigo 16: Respostas à Doutrina da Reprovação

Aqueles que ainda não experimentaram ativamente em seu próprio ser a fé vivificante em Cristo ou uma segura confiança em seu coração, a paz de consciência, o zelo pela obediência filial, e a glória em Deus através de Cristo, mas que, todavia, se utilizam dos meios pelos quais Deus tem prometido operar estas coisas em nós: — tais pessoas não devem se alarmar com a menção da reprovação, nem contar a si mesmos entre os reprovados; ao contrário devem continuar diligentemente com o uso destes meios, desejando fervorosamente um tempo de graça mais abundante, e aguardando por ele em reverencia e humildade. Por outro lado, aqueles que desejam seriamente converter-se a Deus, que desejam estar agradando somente a ele, e se livrar do corpo da morte, mas que ainda não são capazes de fazer tal progresso pelo caminho da santidade e da fé como gostariam: — tais pessoas, muito menos, devem temer a doutrina da reprovação, já que nosso misericordioso Deus tem prometido que não irá apagar o pavio fumegante e que não irá quebrar a cana trilhada. Contudo, aqueles que têm-se esquecido de Deus e do seu Salvador Jesus Cristo e têm-se abandonado inteiramente aos cuidados do mundo e aos prazeres da carne: — tais pessoas têm todas as razões para permanecerem temendo esta doutrina, enquanto seriamente não se voltarem a Deus.

Tg.2:26; II Co.1:12; Rm.5:11; Fl.3:3; Rm.7:24; Is.42:3; Mt.12:20; Mt.13:22; Hb.12:29

Artigo 17: A Salvação dos Filhos dos Crentes

Desde que nós devemos fazer julgamentos sobre a vontade de Deus a partir da sua Palavra, a qual testifica que as crianças dos crentes são santas, não por natureza, mas pela virtude da graciosa aliança na qual elas juntamente com seus pais estão inseridas, os pais consagrados não devem duvidar da eleição e da salvação das suas crianças que Deus tenha chamado desta vida ainda na infância.

Gn.17:7; Is.59:21; At.2:39; I Co.7:14

Artigo 18: A Atitude Adequada com Relação à Eleição e à Reprovação

Àqueles que se queixam sobre a graça de uma eleição imerecida e sobre a severidade de uma justa reprovação, respondemos com as palavras do apóstolo: Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? (Rm.9:20), e com as palavras de nosso Salvador: Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? (Mt.20:15). Nós, contudo, com reverente veneração por estes mistérios, clamamos com o apóstolo: Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Rm.11:33-36).

Jó 34:34-37; Rm.9:20; Mt.20:15; Rm.11:33-36

Rejeição de Erros (I)

Pelos quais as Igrejas holandesas tem por algum tempo sido perturbadas.

Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa concernente à eleição e à reprovação, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:

I

Ensinam que a vontade de Deus de salvar aqueles que vierem a crer e a perseverar em fé e em obediência à fé é o inteiro e completo desígnio da eleição para salvação, e que nada mais concernente a este desígnio foi revelado pela Palavra de Deus.

Porque eles enganam os símplices e claramente contradizem a Sagrada Escritura em seu testemunho de que Deus não somente deseja salvar aqueles que crêem, mas que ele tem também desde a eternidade escolhido certas pessoas em particular às quais, ao contrário de outras, irá a tempo conceder fé em Cristo e perseverança. Como diz a Escritura: Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste (Jo.17:6). Do mesmo modo, creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48). Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos… (Ef.1:4).

II

Ensinam que a eleição de Deus para a vida eterna tem muitas formas: uma geral e indefinida, e outra particular e definida; e esta última, por sua vez, pode ser tanto incompleta, revogável, e não definitiva (ou condicional), como [pode ser] completa, irrevogável, e definitiva (ou absoluta). Também, daqueles que ensinam que há uma eleição para fé e outra para salvação, de modo que possa haver uma eleição para fé justificadora à parte de uma definitiva eleição para a salvação.

Porque isto é uma invenção do cérebro humano, imaginada à parte das Escrituras, e que distorce a doutrina concernente à eleição e rompe a corrente de ouro da nossa salvação: Aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).

III

Ensinam que a boa vontade e o propósito de Deus, que as Escrituras mencionam em seus ensinos sobre a eleição, não implicam a escolha de Deus de certas pessoas em particular, e não de outras. Mas, que a escolha de Deus depende, dentre todas as possíveis condições (incluindo as obras da lei) e dentre todas as ordens de coisas, de um intrinsecamente indigno ato de fé, tanto quanto de uma imperfeita obediência à fé, como sendo as condições para a salvação; e isto inclui seu desejo gracioso de contar isto como perfeita obediência e olhar para isto como merecedor da recompensa da vida eterna.

Porque, por este erro pernicioso a boa vontade de Deus e o mérito de Cristo são roubados de sua eficácia e as pessoas são afastadas, por indagações sem proveito, da verdade da justificação imerecida e da simplicidade das Escrituras. Também mostram a mentira disto as palavras do apóstolo: [Deus nos] chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos; (II Tm.1:9).

IV

Ensinam que na eleição para fé um pré-requisito é que o homem deve corretamente usar a luz da natureza, sendo justo, modesto, humilde, e disposto para a vida eterna, como se a eleição de alguma forma dependesse destes fatores.

Porque isto tem indícios de Pelágio, e claramente traz à baila as palavras do apóstolo: Nós… antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie (Ef.2:3-9).

V

Ensinam que a eleição incompleta e não definitiva de pessoas em particular para a salvação ocorreu com base na presciência de fé, arrependimento, santidade, e piedade, que acabaram de se iniciar ou que tem continuado por algum tempo; e que a eleição completa e definitiva ocorreu com base na presciência da perseverança até o fim em fé, arrependimento, santidade e piedade. E que esta é a graça e o merecimento evangélico, pelo qual aquele que é escolhido é mais merecedor que aquele que não é escolhido. E, sendo assim, que a fé, a obediência à fé, a santidade, a piedade e a perseverança não são frutos ou efeitos de uma eleição imutável para a glória, mas condições indispensáveis e suas causas, as quais são pré-requisitos naqueles que serão escolhidos na eleição completa, e que eles são antevistos como as tendo alcançado.

Isto segue contrariamente a toda a Escritura, que do começo ao fim grava sobre nossos ouvidos e corações as seguintes palavras, entre outras: Eleição… não por causa das obras, mas por aquele que chama (Rm.9:11-12); creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48); [Deus] nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos (Ef.1:4); Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós (Jo.15:16); Mas se é por graça, já não é pelas obras (Rm.11:6); Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho (I Jo.4:10).

VI

Ensinam que nem toda eleição para a salvação é imutável, mas que alguns dos escolhidos podem perecer, e de fato perecem, eternamente, sem nenhum desígnio de Deus para prevenir [que isto aconteça].

Por este erro grosseiro eles fazem Deus ser inconstante, destroem o consolo dos piedosos no que concerne à firmeza da eleição, e contradizem as Sagradas Escrituras, que ensinam que o eleito não pode ser levado a extraviar-se (Mt.24:24), que Cristo não perde nenhum dos que lhe foram dados pelo Pai (Jo.6:39), e que aqueles a quem Deus predestinou, chamou e justificou, ele também glorifica (Rm.8:30).

VII

Ensinam que nesta vida não há nenhum fruto, nenhuma consciência, e nenhuma segurança da imutável eleição, de alguém para a glória, exceto como dependente de condições sobre coisas que são mutáveis e contingenciais.

Porque não é somente absurdo falar de uma segurança incerta, mas estas coisas também militam contra a experiência dos santos, que com o apóstolo se regozijam da consciência de sua eleição e cantam louvores sobre este dom de Deus; os quais, como Cristo ressaltou: se alegram por seus nomes estarem escritos nos céus (Lc.10:20); e por fim sustentam, contra os dardos inflamados das tentações do diabo, a consciência de sua eleição, com a seguinte questão: Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? (Rm.8:33).

VIII

Ensinam que não é com base em sua justa vontade que Deus decide deixar alguém na queda de Adão e no estado comum de pecado e condenação, ou passar qualquer um pelo conceder de graça necessário para fé e conversão.

Porque estas palavras se posicionam contra o que segue: [Deus] compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer (Rm.9:18). E também: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado (Mt.13:11). Do mesmo modo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve (Mt.11:25-26).

IX

Ensinam que a razão porque Deus manda o evangelho a uma pessoa e não a outra, não é tão somente o bom propósito de Deus, mas antes é que uma pessoa é melhor ou mais merecedora que outra a quem o evangelho não é comunicado.

Porque Moisés contradiz isto quando se dirige ao povo de Israel como segue: Eis que os céus e os céus dos céus são do SENHOR teu Deus, a terra e tudo o que nela há. Tão-somente o SENHOR se agradou de teus pais para os amar; e a vós, descendência deles, escolheu, depois deles, de todos os povos como neste dia se vê (Dt.10:14-15). E também Cristo: Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza (Mt.11:21).


Segundo Ponto Principal de Doutrina

A Morte de Cristo e a Redenção Humana Através Dela

Artigo 1: A Punição Que a Justiça de Deus Requer

Deus não é somente supremamente misericordioso, mas é também supremamente justo. Sua justiça requer (como ele tem revelado de si mesmo na Palavra) que os pecados que cometemos contra sua infinita majestade sejam punidos com punições tanto temporais quanto eternas, da alma bem como do corpo. Nós não podemos escapar destas punições a menos que seja dada satisfação à justiça de Deus.

Ex.34:6-7; Rm.5:16; Gl.3:10

Artigo 2: A Satisfação Dada por Cristo

Entretanto, já que nós mesmos não podemos dar esta satisfação ou nos libertar da ira de Deus, Deus em sua infinita misericórdia nos deu como garantia o seu Filho unigênito, que foi feito pecado e maldição por nós, em nosso lugar, na cruz, de modo a poder dar satisfação por nós.

Jo.3:16; Rm.5:8; II Co.5:21; Gl.3:13

Artigo 3: O Infinito Valor da Morte de Cristo

A morte do Filho de Deus é sacrifício único e inteiramente completo, e satisfação pelos pecados; é de valor e merecimento infinitos, mais que suficiente para reconciliar os pecados de todo o mundo.

Hb.9:26,28; Hb.10:14; I Jo.2:2

Artigo 4: Razões para este Valor Infinito

Esta morte é de tal valor e merecimento por que a pessoa que a sofreu foi — como foi necessário que nosso Salvador fosse — não somente um homem verdadeiramente e perfeitamente santo, mas também o unigênito Filho de Deus, da mesma eterna e infinita essência com o Pai e o Espírito Santo. Outra razão é que sua morte foi acompanhada pela experiência da ira e da maldição de Deus, das quais nós, por nossos pecados, somos completamente merecedores.

Hb.4:15; Hb.7:26; I Jo.4:9; Mt.27:46

Artigo 5: A Ordem de Proclamar o Evangelho a Todos

Além disso, é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho.

Jo.3:16; I Co.1:23; Mt.28:19; At.2:38; At.16:31

Artigo 6: A Responsabilidade dos Homens Descrentes

Contudo, o fato de que muitos dos que têm sido chamados pelo evangelho não se arrependem ou crêem em Cristo, mas perecem em descrença, não significa que o sacrifício de Cristo oferecido na cruz seja deficiente ou insuficiente, mas sim que eles próprios estão em falta.

Mt.22:14; Sl.95:11; Hb.4:6

Artigo 7: Fé, Dom de Deus

Mas, todos os que genuinamente crêem e são libertos e salvos, pela morte de Cristo, dos seus pecados e da perdição, recebem este favor somente pela graça de Deus — que a ninguém é devida — dada a eles em Cristo desde a eternidade.

II Co.5:18; Ef.2:8-9

Artigo 8: A Eficácia Salvífica da Morte de Cristo

Porque este foi o plano soberano e o mui gracioso desejo e intenção de Deus o Pai: que a eficácia vivificante e salvífica da preciosa morte de seu Filho operasse em todos os escolhidos, de modo que pudesse conceder-lhes fé justificadora e por meio dela os guiasse infalivelmente à salvação. Em outras palavras, foi vontade de Deus que Cristo através do sangue na cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliança) deveria efetivamente redimir de todos os povos, tribos, nações, e línguas todos aqueles, e somente aqueles, que foram escolhidos desde a eternidade para salvação e que foram dados a ele pelo Pai; que ele deveria conceder-lhes fé (a qual, como os outros dons salvíficos do Espírito Santo, ele adquiriu para eles por sua morte); que ele deveria limpá-los através do seu sangue de todos os seus pecados, tanto originais quanto presentes, quer cometidos antes quer depois de sua vinda à fé; que ele deveria preservá-los fielmente até o final; e que ele deveria finalmente apresentá-los a si mesmo, como povo glorioso, sem mácula nem ruga.

Jo.17:9; Ef.5:25-27; Lc.22:20; Hb.8:6; Ap.5:9; I Jo.1:7; Jo.10:28; Ef.5:27

Artigo 9: O Cumprimento do Plano de Deus

Este plano, procedendo do eterno amor de Deus por seus escolhidos, tem sido poderosamente executado desde o princípio do mundo até o presente tempo, e será também levado a cabo no futuro, [pois] os portões do inferno procuram em vão prevalecer contra ele. Como resultado os escolhidos são reunidos em um [único rebanho], cada um em seu próprio tempo, e há sempre uma igreja de crentes edificada sobre o sangue de Cristo, uma igreja que firmemente ama, persistentemente cultua, e — aqui e em toda a eternidade — o louva como seu Salvador, aquele deu sua vida por ela na cruz, como um noivo por sua noiva.

Mt.16:18; Jo.11:52; I Re.19:18; Ef.5:25

Rejeição de Erros (II)

Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:

I

Ensinam que Deus o Pai designou seu Filho para a morte na cruz, sem ter um plano estabelecido e definido para salvar determinadas pessoas. De modo que tanto a necessidade, quanto a utilidade, e o mérito que a morte de Cristo obteve, poderiam permanecer intactos e no todo perfeitos, completos e integrais, mesmo que a redenção que foi obtida nunca fosse de fato aplicada a algum indivíduo.

Porque esta afirmação é um insulto à sabedoria de Deus o Pai e ao mérito de Jesus Cristo, e é contrária à Escritura. Pois o Salvador fala como segue: Dou a minha vida pelas ovelhas, e eu conheço-as (Jo.10:15,27). E Isaías o profeta diz sobre o Salvador: Quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão (Is.53:10). Finalmente, isto mina o artigo do credo no qual nós confessamos o que cremos a respeito da Igreja.

II

Ensinam que o propósito da morte de Cristo não foi o de estabelecer, por um acontecimento real, a nova aliança da graça através do seu sangue, mas somente adquirir para o Pai o mero direito de entrar mais uma vez em aliança com os homens, quer por graça ou por obras [conforme a sua vontade].

Porque isto conflita com a Escritura, que ensina que Jesus foi feito fiador de uma melhor aliança, isto é, de um Novo Testamento (Hb.7:22; 9:15), e que um testamento [só] tem força onde houve morte (Hb.9:17).

III

Ensinam que Cristo, pela satisfação que deu [à justiça de Deus], não foi seguramente meritório da salvação propriamente dita de alguém, e da fé pela qual esta satisfação de Cristo é efetivamente aplicada para salvação. Mas que somente adquiriu para o Pai a autoridade ou a vontade plenária para se relacionar com os homens de um novo modo, e para impor novas condições escolhidas por ele, e que o cumprimento destas condições depende da livre vontade do homem; consequentemente tanto seria possível que todos as cumprissem como que ninguém [as cumprisse].

Porque eles têm uma opinião tão pequena sobre a morte de Cristo, de modo nenhum reconhecem o principal fruto ou benefício que ela traz, e chamam de volta do inferno o erro Pelagiano.

IV

Ensinam que o que implica a nova aliança da graça, a qual Deus o Pai fez com os homens através da mediação da morte de Cristo, não é que somos justificados diante de Deus e salvos através da fé, à medida que ela aceita o mérito de Cristo. Mas, ao contrário, que Deus tendo retirado sua demanda por perfeita obediência à lei, considera a própria fé, e a imperfeita obediência à fé, como perfeita obediência à lei, e graciosamente olha para isto como sendo merecedor da recompensa da vida eterna.

Porque eles contradizem a Escritura: Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus (Rm.3:24:25). E junto com o incrédulo Socinus, introduzem uma nova e estranha justificação do homem diante de Deus, contra o consenso de toda a igreja.

V

Ensinam que todas as pessoas têm sido recebidas em um estado de reconciliação e na graça da aliança, de modo que ninguém no que concerne ao pecado original está sujeito à condenação, ou deve ser condenado, mas que todos estão livres da culpa deste pecado.

Porque esta opinião conflita com a Escritura que afirma que nós somos por natureza filhos da ira.

VI

Fazem uso de uma distinção entre o obter e o aplicar de modo a instilar nos imprudentes e inexperientes a opinião de que Deus, tanto quanto lhe concerne, desejou conceder igualmente a todas as pessoas os benefícios que foram ganhos pela morte de Cristo; mas que a distinção pela qual uns, ao invés de outros, vêm a compartilhar do perdão dos pecados e da vida eterna, depende de sua própria livre vontade (que aplica a si mesma sobre a graça que é oferecida indistintamente), e que não depende do dom de misericórdia sem par que efetivamente opera neles, para que eles, ao invés dos outros, apliquem aquela graça a si mesmos.

Porque, enquanto buscam apresentar esta distinção com um sentido aceitável, estão [de fato] tentando dar às pessoas o veneno mortal do Pelagianismo.

VII

Ensinam que Cristo não poderia morrer, nem tinha que morrer, nem ainda morreu por aqueles que Deus tão carinhosamente amou e escolheu para a vida eterna. Uma vez que tais pessoas não precisariam da morte de Cristo.

Porque contradizem o apóstolo, que diz: [Cristo] me amou, e se entregou a si mesmo por mim (Gl.2:20), e do mesmo modo: Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu [por eles] (Rm.8:33-34). Eles também contradizem o Salvador, que afirma: dou a minha vida pelas ovelhas (Jo.10:15), O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (Jo.15:12-13).


Terceiro e Quarto Pontos Principais de Doutrina

A Corrupção Humana, a Conversão a Deus, e o Modo como Ocorre

Artigo 1: O Efeito da Queda na Natureza Humana

O homem originalmente foi criado à imagem de Deus e foi provido em sua mente com o verdadeiro e salutar conhecimento de seu Criador e das coisas espirituais, em sua vontade e coração com justiça, e em todas as suas emoções com pureza; de fato, todo o homem era santo. Contudo, rebelando-se contra Deus, pela instigação do Diabo, e por sua própria livre vontade, ele despojou a si mesmo destes destacados dons. Mais propriamente, em seu lugar trouxe sobre si mesmo cegueira, terrível escuridão, futilidades, e distorção de julgamento em sua mente; perversidade, rebeldia, e dureza em seu coração e em sua vontade; e finalmente impureza em todas as suas emoções.

Gn.1:26-27; Gn.3:1-7; Ef.4:17-19

Artigo 2: O Espalhar da Corrupção

O homem após a queda produziu filhos com a mesma natureza que a sua. O que quer dizer que, sendo corrupto produziu filhos corrompidos. A corrupção se espalhou, pelo justo julgamento de Deus, de Adão a todos os seus descendentes — excetuando somente a Cristo — não por meio de imitação (como em tempos anteriores entenderam os Pelagianos), mas por meio da propagação de sua natureza pervertida.

Jó 14:4; Sl.51:7; Rm.5:12; Hb.4:15

Artigo 3: Completa Inaptidão

Conseqüentemente, todas as pessoas são concebidas em pecado e nascem como filhas da ira, inadequadas para efetuar qualquer ação salvadora, inclinadas ao mal, mortas em pecados, e escravas do pecado; sem a graça do regenerador Espírito Santo elas não estão nem dispostas, nem são capazes de retornar a Deus, de transformar sua natureza distorcida, ou mesmo de preparar a si mesmas para tal transformação.

Ef.2:1,3; Jo.8:34; Rm.6:16-17; Jo.3:3-6; Tt.3:5

Artigo 4: A insuficiência da Luz da Natureza

Há, é verdade, certa luz de natureza ainda restante no homem depois da queda, e pela virtude dela ele retém algumas noções sobre Deus, sobre as coisas naturais, entende a diferença entre o que é moral e o que é imoral, e demonstra certa ânsia por virtude e por um bom comportamento exterior. Mas esta luz de natureza está longe de habilitar o homem a alcançar um conhecimento salvífico de Deus e a uma conversão a ele — tão longe, em verdade, que o homem não a usa corretamente nem mesmo em questões da natureza e da sociedade. Ao invés disto, de várias maneiras ele distorce completamente esta luz, tudo quanto é o seu preciso caráter, e a suprime em injustiça. E assim fazendo apresenta-se indesculpável diante de Deus.

Rm.1:18-20; At.2:14-15

Artigo 5: A Inadequação da Lei

A este respeito, o que é verdade para a luz da natureza é também verdade para os Dez Mandamentos que foram dados por Deus através de Moisés especificamente aos Judeus. Uma vez que o homem não pode obter graça salvadora através do Decálogo, porque, apesar dele expor a magnitude do seu pecado e progressivamente o convencer da sua culpa, no entanto, não oferece um remédio ou o habilita a escapar de sua miséria, e, em verdade, enfraquecido como está pela carne, deixa o ofensor sob a maldição.

Rm.3:19-20; Rm.7:10-13; Rm.8:3; II Co.3:6-7

Artigo 6: O Poder Salvífico do Evangelho

O que, entretanto, nem a luz da natureza nem a lei podem fazer, Deus realiza pelo poder do Espírito Santo, através da Palavra, ou seja, do ministério de reconciliação. Este é o evangelho do Messias, através do qual Deus se agradou em salvar os crentes, tanto no Velho quanto no Novo Testamento.

II Co.5:18-19; I Co.1:21

Artigo 7: A Soberania de Deus em Revelar o Evangelho

No Antigo Testamento, Deus revelou este mistério da sua vontade a um pequeno número [de pessoas]; no Novo Testamento (agora sem qualquer distinção entre pessoas) ele o revela a um grande número [de pessoas]. A razão para esta diferença não deve ser atribuída ao maior merecimento de uma nação sobre outra, ou a um melhor uso da luz da natureza, mas ao soberano bom propósito e ao imerecido amor de Deus. Conseqüentemente, aqueles que recebem tamanha graça, além e apesar de tudo que merecem, devem reconhecê-la com humildade e com corações gratos; e por outro lado, com o apóstolo devem respeitar (e certamente não em uma busca inquisitiva) a severidade e a justiça do julgamento de Deus sobre os outros, que não receberam esta graça.

Ef.1:9; Ef.2:14; Cl.3:11; Rm.2:11; Mt.11:25-26; Rm.11:22-23; Ap.16:7; Dt.29:29

Artigo 8: O Sério Chamado do Evangelho

Não obstante, todos os que são chamados através do evangelho são chamados seriamente. Porque seriamente e muito genuinamente Deus faz conhecida na sua Palavra o que lhe agrada: que aqueles que são chamados venham a ele. Seriamente ele também promete descanso para as suas almas e vida eterna a todos os que vêm a ele e crêem.

Is.55:1; Mt.22:4; Ap.22:17; Jo.6:37; Mt.11:28-29; Fl.1:29

Artigo 9: A Responsabilidade Humana por Rejeitar o Evangelho

O fato de que muitos dos que são chamados através do ministério do evangelho não vêm e não são trazidos à conversão não deve ser atribuído ao evangelho, nem a Cristo, que é oferecido através do evangelho, nem a Deus, o qual os chama através do evangelho e até mesmo lhes confere vários dons, mas às próprias pessoas que são chamadas. Alguns em autoconfiança nem mesmo acolhem a Palavra da vida; outros a acolhem, mas não a colocam no coração, e por esta razão, após a alegria transitória de uma fé temporária, eles recaem; outros sufocam a semente da Palavra com os espinheiros dos cuidados da vida e com os prazeres do mundo e não produzem frutos. Isto nosso Salvador ensina na parábola do semeador (Mt.13).

Mt.11:20-24; Mt.13:1-23; Mt.22:1-14; Mt.23:3

Artigo 10: A Conversão Como um Trabalho de Deus

O fato de que outros dos que são chamados através do ministério do evangelho vêm e são trazidos à conversão não deve ser creditado ao homem, como se alguém, por sua livre escolha, distinguisse a si mesmo dos outros que são favorecidos com igual ou suficiente graça para fé e conversão (como a orgulhosa heresia de Pelágio sustenta). Não, isto deve ser creditado a Deus: exatamente como da eternidade escolheu os seus em Cristo, assim no tempo efetivamente os chama, lhes concede fé e arrependimento, e, tendo-os resgatado do domínio das trevas, os traz para o reino de seu Filho; de modo que eles possam declarar os maravilhosos feitos daquele que os chamou das trevas para esta maravilhosa luz, e possam gloriar-se, não em si mesmos, mas no Senhor, como as palavras apostólicas frequentemente testificam nas Escrituras.

Rm.9:16; Cl.1:13; Gl.1:4; I Pe.2:9; I Co.1:31; II Co.10:17; Ef.2:8-9

Artigo 11: A Obra do Espírito Santo na Conversão

Além disso, quando Deus executa seu bom propósito em seus escolhidos, ou seja, quando opera a verdadeira conversão neles, não só cuida para que o evangelho lhes seja proclamado e que as suas mentes sejam poderosamente iluminadas pelo Espírito Santo de modo a que possam corretamente entender e discernir as coisas do Espírito de Deus, mas, pela efetiva operação do mesmo Espírito regenerador, ele também penetra no mais íntimo do ser humano, abre o coração fechado, amolece o coração duro e circuncida o coração que é incircunciso. Ele infunde novas qualidades na vontade, fazendo da vontade morta, viva, do maldoso, bom, do relutante, disposto, e do obstinado, submisso; ele ativa e fortalece a vontade para que, como uma boa árvore, possa ser capaz de produzir os frutos de boas obras.

Hb.6:4-5; I Co.2:10-14; Hb.4:12; At.16:14; Dt.30:6; Ez.11:19; Ez.36:26; Mt.7:18

Artigo 12: Regeneração, uma Obra Sobrenatural

E esta é a regeneração, a nova criação, a ressurreição dos mortos, e a vivificação, tão claramente proclamadas nas Escrituras, as quais Deus opera em nós sem nossa ajuda. Mas, isto certamente não acontece somente por ensino material, por persuasão moral, ou de tal maneira que após Deus ter feito sua obra, continua em poder do homem [a capacidade de decidir] se ele vai ou não ser renascido ou convertido. Ao contrário, é uma obra inteiramente sobrenatural, obra que é ao mesmo tempo poderosíssima e agradabilíssima, uma maravilha, misteriosa, e indescritível, que não é menor ou inferior em poder àquela da criação ou da ressurreição dos mortos, como a Escritura (inspirada pelo autor desta obra) ensina. Como resultado, todos aqueles em cujos corações Deus opera deste modo admirável são certamente, infalivelmente, e efetivamente renascidos e verdadeiramente crêem. E então a [sua] vontade, agora renovada, não é somente ativada e motivada por Deus, mas ao ser ativada por Deus torna-se ativa em si mesma. Por esta razão, o próprio homem, através desta graça que recebeu, também diz corretamente que creu e se arrependeu.

Jo.3:3; II Co.4:1-6; II Co.5:17; Ef.5:14; Jo.5:25; Rm.4:17; Fl.2:13

Artigo 13: O Incompreensível Mecanismo da Regeneração

Nesta vida os crentes não podem entender completamente o mecanismo pelo qual esta obra ocorre; entretanto, eles ficam satisfeitos em saber e experimentar que por esta graça de Deus eles creram em seu Salvador com o coração e com amor.

Jo.3:8; Rm.10:9

Artigo 14: O Modo como Deus Dá Fé

Deste modo, portanto, fé é um dom de Deus, não no sentido de que é oferecida por Deus para que o homem a escolha, mas que é de fato aplicada ao homem, inspirada e infundida nele. Nem é um dom no sentido de que Deus confere somente o potencial para crer, e então espera assentimento — o ato de crer — de acordo com a escolha do homem; ao contrário, é um dom no sentido de que aquele que opera tanto o querer quanto o efetuar, e em verdade opera todas as coisas em todas as pessoas, produz no homem tanto o querer crer quanto o próprio [ato de] crer.

Ef.2:8; Fl.2:13

Artigo 15: Respostas à Graça de Deus

Esta graça Deus não deve a ninguém. Pois o que Deus poderia dever a alguém que não tem nada para dar que possa ser devolvido? Em verdade, o que Deus poderia dever a alguém que não tem nada de seu além de pecado e falsidade? Por esta razão a pessoa que recebe a graça deve e [de fato] rende eterna gratidão somente a Deus; a pessoa que não a recebe, ou de todo não liga para estas coisas espirituais e está satisfeita consigo mesma nesta condição, ou então em autoconfiança exulta tolamente de que é pouco o que lhe falta. Além disso, seguindo o exemplo dos apóstolos, nós devemos pensar e falar do modo mais favorável sobre aqueles que externamente professam sua fé e melhoram suas vidas, porque a câmara interior do coração nos é desconhecida. Mas, pelos outros, que ainda não foram chamados, nós devemos orar a Deus que chama coisas que não existem à existência. Todavia, de modo algum, devemos nos assoberbar como se fossemos melhores que eles, como se nós tivéssemos distinguido a nós mesmos deles.

Rm.11:35; Am.6:1; Jr.7:4; Rm.14:10; Rm.4:17; I Co.4:7

Artigo 16: Efeito da Regeneração

Porém, tal como pela queda o homem não deixou de ser homem, dotado de intelecto e vontade, e tal como o pecado, que foi propagado a toda a raça humana, não aboliu a natureza da raça humana, mas a distorceu e a matou espiritualmente, assim também esta graça divina da regeneração não age nas pessoas como se elas fossem tijolo e cimento; nem anula a vontade e suas propriedades ou coage uma vontade relutante pela força, mas revive espiritualmente, cura, reforma, e — de uma forma ao mesmo tempo prazerosa e poderosa — a converte. Como resultado, uma obediência pronta e sincera ao Espírito agora começa a prevalecer onde antes a rebelião e a resistência da carne foram completamente dominantes. É nisto que a verdade e a restauração espiritual e a liberdade da nossa vontade consistem. Desta forma, se o maravilhoso Criador de todas as boas coisas não estivesse lidando conosco, o homem não teria esperança de se levantar de sua queda por sua própria livre escolha, através da qual ele mergulhou a si mesmo em ruína, quando ainda estava em pé.

Rm.8:2; Ef.2:1; Sl.51:12; Fl.2:13

Artigo 17: O Uso de Deus dos Mecanismos de Regeneração

Tal como a poderosa obra de Deus pela qual ele faz brotar e sustenta nossa vida natural, não exclui, mas requer o uso de meios pelos quais Deus, de acordo com sua infinita sabedoria e bondade, tem exercitado seu poder, assim também a obra de Deus citada anteriormente, pela qual ele nos restaura, de modo algum exclui ou cancela [a necessidade] do uso do Evangelho, o qual Deus em sua grande sabedoria designou para ser a semente da regeneração e o alimento da alma.

Por esta razão, os apóstolos e os professores que piedosamente os seguiram ensinavam ao povo sobre esta graça de Deus, para dar glória a ele e para humilhar todo o orgulho humano; não negligenciando, neste meio tempo, o manter o povo através das santas admoestações do evangelho, sob a ministração da Palavra, das coisas sagradas, e da disciplina. Assim, mesmo hoje, está fora de questão que os professores ou os que são ensinados na igreja conjeturarem testar Deus separando o que ele, em seu bom propósito, deseja que esteja estritamente unido. Porque a graça é concedida através das admoestações, e quanto mais prontamente nós fizermos nosso dever, usualmente, tanto mais resplandecerão em nós os benefícios da obra de Deus e melhor sua obra [em nós] avançará. A ele somente, tanto pelos meios quanto por seus frutos salvíficos e [por sua] efetividade, toda a glória seja devida eternamente. Amém.

Is.55:10-11; I Co.1:21; Tg.1:18; I Pe.1:23,25; I Pe.2:2; At.2:42; II Co.5:11-21; II Tm.4:2; Rm.10:14-17; Jd.24-25

Rejeição de Erros (III/IV)

Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:

I

Ensinam que, propriamente falando, não pode ser dito que o pecado original em si é o bastante para condenar toda a raça humana ou para garantir punição temporal e eterna.

Porque eles contradizem o apóstolo quando diz: Como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram (Rm.5:12); também: Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação (Rm.5:16); igualmente: O salário do pecado é a morte (Rm.6:23).

II

Ensinam que os dons espirituais ou as boas inclinações e virtudes, tais como a bondade, a santidade, e a justiça podem não ter residido na vontade do homem quando ele foi primeiramente criado e, portanto, não poderiam ter sido separadas da [sua] vontade na queda.

Porque isto entra em conflito com a descrição do apóstolo da imagem de Deus em Efésios 4:24, onde ele retrata a imagem em termos de justiça e santidade, as quais definitivamente residem na vontade.

III

Ensinam que na morte espiritual os dons espirituais não foram separados da vontade do homem, uma vez que a vontade em si nunca teria sido corrompida, mas somente impedida pelas trevas da mente e pelo desgoverno das emoções. E como a vontade seria capaz de exercitar sua capacidade inata livremente desde que estes impedimentos fossem removidos. O que quer dizer, que ela seria capaz, por si mesma, de desejar ou escolher o que de bom é colocado diante dela — ou ainda de não desejá-lo ou escolhê-lo.

Esta é uma nova idéia e um erro e tem o efeito de ao elevar o poder da livre escolha, contrariar as palavras de Jeremias o profeta: Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso (Jr.17:9); e as palavras do apóstolo: Entre os quais (os filhos da desobediência) todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos (Ef.2:3).

IV

Ensinam que o homem não regenerado não está estritamente ou totalmente morto em seus pecados e [não] está privado de toda a capacidade para fazer o bem espiritual, mas é capaz de sentir fome e sede de justiça ou de vida, e de oferecer o sacrifício de um espírito quebrantado e contrito, o qual é agradável a Deus.

Porque estes pontos de vista são opostos ao claro testemunho das Escrituras: Estando vós mortos em ofensas e pecados (Ef.2:1, 5); A imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente (Gn.6:5; 8:21). Além disto, ter fome e sede por libertação da miséria e por vida, e o oferecer a Deus em sacrifício um espírito quebrantado são características somente dos regenerados e daqueles chamados bem-aventurados (Sl.51:17; Mt.5:6).

V

Ensinam que o homem natural e corrompido pode fazer um tão bom uso da graça comum (pelo que eles querem dizer a luz da natureza) ou dos dons restantes após sua queda que é capaz por meio disto de gradualmente obter uma graça maior — a graça evangélica ou salvífica — bem como a própria salvação; e que deste modo Deus, de sua parte, se mostra pronto a revelar Cristo a todas as pessoas, uma vez que ele provê para todos, em quantidade suficiente e de modo efetivo, os meios necessários para a revelação de Cristo, por fé, e por arrependimento.

Porque a Escritura, para não mencionar a experiência de todas as épocas, testifica que isto é falso: [Deus] mostra a sua palavra a Jacó, os seus estatutos e os seus juízos a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; e quanto aos seus juízos, não os conhecem (Sl.147:19-20); O qual nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos (At.14:16); [Paulo e seus companheiros] foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram a Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu (At.16:6-7).

VI

Ensinam que na verdadeira conversão do homem novas qualidades, inclinações, ou dons não podem ser infundidos ou derramados sobre a sua vontade por Deus. E, em verdade, a fé, ou o crer, pelo qual nós primeiro viemos à conversão e pelo qual recebemos o nome de “crentes” não é uma qualidade ou dom dado por Deus, mas somente um ato humano, e que não pode ser chamado de dom exceto no que diz respeito ao poder de alcançar fé.

Porque estes pontos de vista contradizem as Sagradas Escrituras, as quais testificam que Deus infunde ou derrama nos nossos corações as novas qualidades de fé, obediência, e a experiência do seu amor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração (Jr.31:33); derramarei água sobre o sedento, e rios sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade (Is.44:3); o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm.5:5). Eles também entram em conflito com a contínua prática da Igreja, que ora com o profeta: converte-me, e converter-me-ei, porque tu és o SENHOR meu Deus (Jr.31:18).

VII

Ensinam que a graça pela qual somos convertidos a Deus não é nada mais do que uma gentil persuasão, ou (como outros a explicam) a forma de Deus agir na conversão do homem, a qual é a mais nobre e apropriada à natureza humana, é aquela que acontece através da persuasão, e nada impede que esta graça de convencimento moral possa, por si só, tornar os homens espirituais; em verdade, Deus não produz o consentimento da vontade exceto através de convencimento moral, e que a eficácia da obra de Deus através qual ele sobrepuja a obra de Satanás consiste em que Deus promete benefícios eternos enquanto Satanás promete benefícios temporais.

Porque este ensino é inteiramente Pelagiano, e contrário a toda a Escritura, que reconhece além da persuasão também outro meio, muito mais efetivo e divino pelo qual o Espírito Santo age na conversão do homem. Como Ezequiel 36:26 coloca: Dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne…

VIII

Ensinam que Deus ao regenerar o homem não ostenta aquele poder de sua onipotência com o qual ele pode poderosa e infalivelmente dobrar a vontade humana para a fé e a conversão. E que mesmo quando Deus já efetuou todas as operações da graça que ele usa para a conversão do homem, não obstante o homem pode assim resistir a Deus e ao Espírito em seu intento e vontade de regenerá-lo (e de fato frequentemente o faz), de modo que o homem completamente frustra seu próprio renascimento; e, de fato, permanece em seu próprio poder se será ou não regenerado.

Porque isto anula todo o efetivo funcionamento da graça de Deus em nossa conversão e sujeita a atividade do Deus Todo-Poderoso à vontade do homem; é contrário aos apóstolos, que ensinam que nós cremos pela virtude da efetiva ação da força do poder de Deus (Ef.1:19), e que Deus executa o imerecido bom propósito de sua bondade e a obra da fé em nós com poder (II Ts.1:11), e do mesmo modo que seu divino poder tem nos dado tudo que precisamos para vida e piedade (II Pe.1:3).

IX

Ensinam que a graça e a livre escolha são causas parciais simultâneas que cooperam para iniciar a conversão, e que a graça não precede — na ordem de causa e efeito — a efetiva influência da vontade; o que quer dizer, que Deus não ajuda efetivamente a vontade do homem a vir à conversão, antes a própria vontade do homem motiva e determina a si mesma.

Porque a igreja primitiva já condenou esta doutrina há muito tempo com os Pelagianos, com base nas palavras do apóstolo: Isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece (Rm.9:16); também: Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? (I Co.4:7); igualmente: Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Fl.2:13).


Quinto Ponto Principal de Doutrina

A Perseverança dos Santos

Artigo 1: O Regenerado Não Inteiramente Livre do Pecado

Aquelas pessoas a quem Deus de acordo com o seu propósito chama à comunhão com seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor e regenera pelo Espírito Santo, ele também liberta do reino e da escravidão do pecado, ainda que nesta vida não inteiramente da carne e do corpo do pecado.

Jo.8:34; Rm.6:17; Rm.7:21-24

Artigo 2: A Reação do Crente aos Pecados de Fraqueza

Por isso, surgem pecados diários de fraqueza, e manchas se agarram até mesmo às melhores obras do povo de Deus, dando-lhes contínua razão para se humilharem diante de Deus, para correndo buscar refúgio no Cristo crucificado, para mortificar a carne mais e mais pelo Espírito em súplica e pelos santos exercícios da piedade, e para esforçar-se em direção ao objetivo da perfeição, até que sejam libertos deste corpo mortal e reinem com o Cordeiro de Deus no céu.

I Jo.1:8; Cl.3:5; I Tm.4:7; Fl.3:12,14; Ap.5:6,10

Artigo 3: A Preservação de Deus dos Convertidos

Por causa destes remanescentes de pecado habitando neles e também por causa das tentações do mundo e de Satanás, aqueles que foram convertidos não podem permanecer em pé nesta graça se deixados [por conta de] seus próprios recursos. Mas, Deus é fiel, misericordiosamente fortalecendo-os na graça que uma vez lhes foi conferida e poderosamente preservando-os nela até o fim.

Rm.7:20; I Co.10:13; I Pe.1:5

Artigo 4: O Perigo dos Verdadeiros Crentes Caírem em Sérios Pecados

Apesar do poder de Deus que fortalece e preserva os verdadeiros crentes em graça ser superior à carne, ainda assim os convertidos não estão sempre tão ativos e motivados por Deus que não possam, em certas ações específicas, e por seu próprio erro em lidar com a graça, ser desencaminhados pelos desejos da carne, e [acabem sendo] levados a eles. Por esta razão devem constantemente vigiar e orar para que possam não ser levados em tentações. Quando falham em assim fazer, não somente podem ser levados pela carne, pelo mundo, e por Satanás aos pecados, mesmo os mais sérios e ultrajantes, mas também pela justa permissão de Deus eles algumas vezes são assim levados — verifique os tristes casos descritos nas Escrituras de Davi, Pedro, e outros santos que caíram em pecados.

Ef.1:19; Mt.26:41; I Ts.5:6,17; II Sm.11

Artigo 5: Os Efeitos de Tais Sérios Pecados

Por tais monstruosos pecados, contudo, eles grandemente ofendem a Deus, fazem por merecer uma sentença de morte, entristecem o Espírito Santo, suspendem o exercício da fé, ferem severamente a consciência, e algumas vezes perdem a consciência da graça por um tempo — até que, após terem retornado ao caminho por genuíno arrependimento, a paterna face de Deus novamente brilhe sobre eles.

II Sm.12; Ef.4:30; Sl.32:3-5; Nm.6:25

Artigo 6: A Intervenção Salvífica de Deus

Porque Deus, que é rico em misericórdia, de acordo com seu imutável propósito da eleição, não retira completamente seu Espírito Santo dos [que são] seus, mesmo quando eles dolorosamente caem. Nem os deixa cair tão fundo que venham a perder a graça da adoção e o estado de justificação, ou cometam o pecado que conduz à morte (o pecado contra o Espírito Santo), e mergulhem a si mesmos, inteiramente abandonados por ele, em eterna ruína.

Ef.1:11; Ef.2:4; Sl.51:13; Gl.4:5; I Jo.5:16-18; Mt.12:31,32

Artigo 7: Renovação para Arrependimento

Porque, em primeiro lugar, Deus preserva naqueles santos quando caem sua semente imortal, pela qual foram renascidos, a fim de que não pereçam ou sejam desalojados. Em segundo lugar, pela sua Palavra e Espírito ele certa e efetivamente os renova para arrependimento, de modo que eles tenham um sincero e devoto arrependimento pelos pecados que têm cometido; que busquem e obtenham, através da fé e com um coração contrito, perdão no sangue do Mediador; que experimentem novamente a graça de um Deus reconciliador; que através da fé adorem suas misericórdias; e que daí em diante com muito zelo exercitem sua própria salvação em temor e tremor.

I Pe.1:23; I Jo.3:9; II Co.7:10; Sl.32:5; Sl.51:19; Fl.2:12

Artigo 8: A Certeza Desta Preservação

Assim não é por seus próprios méritos ou força, mas pela imerecida misericórdia de Deus que eles não perdem totalmente a fé e a graça, nem permanecem em sua queda até o fim e se percam. Se dependesse deles isto não só poderia facilmente acontecer, como indubitavelmente aconteceria; mas como depende de Deus não há possibilidade disto acontecer, uma vez que seu plano não pode ser alterado, sua promessa não pode falhar, a chamada de acordo com seu propósito não pode ser revogada, o mérito de Cristo assim como sua intercessão e preservação não podem ser anulados, e o selo do Espírito Santo não pode nem ser invalidado nem apagado.

Sl.33:11; Hb.6:17; Rm.8:30,34; Rm.9:11; Lc.22:32; Ef.1:13

Artigo 9: A Garantia Desta Preservação

Acerca da preservação daqueles escolhidos para salvação e acerca da perseverança dos verdadeiros crentes na fé, os próprios crentes podem estar (e de fato se tornam) seguros de acordo com a medida da sua fé, pela qual eles firmemente crêem que são e que sempre permanecerão [sendo] membros verdadeiros e vivos da igreja, e que têm o perdão dos pecados e a vida eterna.

Rm.8:31-39; II Tm.4:8,18

Artigo 10: A Base Desta Garantia

Concordemente, esta garantia não deriva de alguma revelação particular, além ou fora da Palavra, mas, da fé nas promessas de Deus as quais ele mui abundantemente revelou em sua Palavra para nossa consolação, e do testemunho do Espírito Santo que testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus e seus herdeiros (Rm.8:16-17), e finalmente, de uma sincera e santa busca de uma consciência clara e de boas obras. E se os escolhidos de Deus neste mundo não tivessem este justo consolo de que a vitória será sua, e esta confiável garantia de glória eterna, seriam dentre todas as pessoas as mais miseráveis.

Rm.8:16-17, I Jo.3:1-2; At.24:16; Rm.8:37; I Co.15:19

Artigo 11: Dúvidas Acerca Desta Garantia

Entretanto, a Escritura testifica que os crentes têm que contender nesta vida com várias dúvidas da carne, e que sob severa tentação eles nem sempre experimentam esta total garantia de fé e certeza de perseverança. Mas Deus, o Pai de toda consolação, não os deixa serem tentados além do que podem suportar, mas com a tentação ele também provê o escape (I Co.10:13), e pelo Espírito Santo revive neles a garantida de sua perseverança.

II Co.1:3; I Co.10:13

Artigo 12: Esta Garantia Como um Incentivo à Santidade

Esta garantia de perseverança, contudo, longe de fazer os verdadeiros crentes [se tornarem] orgulhosos e carnalmente seguros de si, é ao invés a verdadeira raiz da humildade, do respeito filial, da genuína piedade, da paciência em todas as lutas, das orações fervorosas, da firmeza no carregar da cruz e no confessar a verdade, e da justa alegria em Deus.

Rm.12:1; Sl.56:12-13; Sl.116:12; Tt.2:11-14; I Jo.3:3

Artigo 13: Esta Garantia Não Induz à Negligência

Nem a renovada confiança na perseverança produz imoralidade, nem [produz] falta de interesse pela piedade naqueles que foram postos de pé após a queda [de Adão], mas produz um muito maior interesse por observar cuidadosamente os caminhos do Senhor, os quais ele antecipadamente preparou. Eles observam estes caminhos de modo que ao caminhar por eles possam manter a certeza da sua perseverança, a fim de que por seu abuso da bondade paternal [de Deus], a face do gracioso Deus não torne novamente para longe deles, resultando em sua queda em uma grande angústia de espírito (porque a divindade contemplada em sua face é mais doce que a vida, mas sua retirada é mais amarga que a morte).

II Co.7:10; Ef.2:10; Sl.63:4; Is.64:7; Jr.33:5

Artigo 14: O Uso de Deus de Meios na Perseverança

E, exatamente como agradou a Deus iniciar esta obra de graça em nós pela proclamação do Evangelho, assim também ele preserva, continua e completa sua obra pelo ouvir e ler o Evangelho, por meditar nele, por suas exortações, desafios e promessas, e também pelo uso dos sacramentos.

Dt.6:20-25; II Tm.3:16-17; At.2:42

Artigo 15: Reações Contrastantes Quanto à Doutrina da Perseverança

Esta doutrina sobre a perseverança dos verdadeiros crentes e santos, e sobre sua garantia dela — uma doutrina que Deus tem ricamente revelado em sua Palavra para a glória do seu nome e para o consolo dos santos e que ele imprime nos corações dos crentes — é algo que a carne não entende, que Satanás odeia, que o mundo ridiculariza, que o ignorante e o hipócrita fazem mau uso, e que o espírito de erro ataca. A noiva de Cristo, por outro lado, tem sempre amado mui ternamente esta doutrina e a [tem] defendido firmemente como um tesouro inestimável; e Deus, contra quem nenhum plano pode ter eficácia e nenhuma força pode prevalecer, irá assegurar que ela continue assim fazendo. Ao único Deus, Pai, Filho, e Espírito Santo seja a honra e a glória para sempre. Amém.

Ap.14:12; Ef.5:32; Sl.33:10-11; I Pe.5:10-11

Rejeição de Erros (V)

Concernentes à Doutrina da Perseverança dos Santos

Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:

I

Ensinam que a perseverança dos verdadeiros crentes não é um efeito da eleição ou um dom de Deus produzido pela morte de Cristo, mas uma condição da nova aliança a qual o homem, antes do que eles chamam eleição e justificação “final”, deve cumprir por sua livre vontade.

Porque as Sagradas Escrituras testificam que a perseverança que segue a eleição é concedida aos escolhidos pela virtude da morte de Cristo, sua ressurreição, e intercessão: os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos (Rm.11:7); igualmente: Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? (Rm.8:32-35).

II

Ensinam que Deus provê o crente com força suficiente para perseverar e está pronto a preservar esta força nele se ele fizer seu dever, mas mesmo com todas estas coisas que são necessárias para perseverar em fé em ação, as quais Deus se agrada em usar para preservar a fé, ainda assim sempre depende da escolha da vontade do homem se vai ou não perseverar.

Porque esta forma de ver é obviamente Pelagiana; e ainda que pretenda fazer os homens livres, ela [na verdade] os faz injuriosos. Ela está contra o contínuo consenso da doutrina evangélica que tira do homem toda razão de orgulho e destina o louvor por este benefício somente à graça de Deus. É também contrária ao testemunho do apóstolo: [Deus] vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo (I Co.1:8).

III

Ensinam que aqueles que verdadeiramente crêem e foram renascidos não somente podem perder a fé justificadora [bem como,] total e definitivamente a graça e a salvação, mas que também, e com freqüência, de fato as perdem e estão perdidos para sempre.

Porque esta opinião anula a própria graça da justificação e regeneração bem como a contínua preservação por Cristo, e contraria as claras palavras do apóstolo Paulo: [Se] Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira (Rm.5:8-9); e contraria o apóstolo João: Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus (I Jo.3:9); também contraria as palavras de Jesus Cristo: Dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai (Jo.10:28-29).

IV

Ensinam que aqueles que verdadeiramente crêem e foram renascidos podem cometer o pecado que conduz à morte (o pecado contra o Espírito Santo).

Porque o mesmo apóstolo João, após fazer menção àqueles que cometem o pecado que conduz à morte e proibir oração por eles (I Jo.5:16-17), imediatamente completa: Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca (v.18).

V

Ensinam que à parte de uma revelação especial ninguém pode ter certeza de futura perseverança em sua vida.

Porque por este ensino a firme consolação dos verdadeiros crentes lhes é tirada e a incerteza dos Romanistas é reintroduzida na igreja. As Sagradas Escrituras, contudo, em muitos lugares derivam a segurança não de uma revelação especial e extraordinária, mas da marca característica dos filhos de Deus e das completamente confiáveis promessas de Deus. Assim [diz] especialmente o apóstolo Paulo: [nenhuma] criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm.8:39); e João: E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado (I Jo.3:24).

VI

Ensinam que a doutrina da certeza da perseverança e da salvação é por sua própria natureza e caráter um narcótico para a carne e é danoso à piedade, boa moral, oração, e outros santos exercícios, mas que, ao contrário, ter dúvida sobre isto é louvável.

Porque estas pessoas mostram que não conhecem a efetiva operação da graça de Deus e a obra Espírito Santo residente, e contradizem o apóstolo João, que afirma o oposto em palavras claras: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro (I Jo.3:2-3). Além disso, eles são refutados pelo exemplo de santos, tanto do Velho quanto do Novo Testamento, os quais apesar de estarem certos de sua perseverança e salvação ainda se mantinham constantemente em oração e em outros exercícios de piedade.

VII

Ensinam que a fé daqueles que crêem somente temporariamente não difere da fé justificadora e salvífica exceto somente pela duração.

Porque o próprio Cristo em Mateus 13:20ss e em Lucas 8:13ss claramente define as seguintes diferenças entre os crentes temporários e verdadeiros: ele diz que os primeiros recebem a semente em terreno pedregoso, e que os últimos a recebem em bom terreno, ou em bom coração; os primeiros não tem raiz, e os últimos estão firmemente enraizados; os primeiros não dão fruto, e os últimos produzem frutos em quantidades variadas, com constância, ou [seja,] com perseverança.

VIII

Ensinam que não é absurdo que uma pessoa, após perder a sua primeira regeneração, possa mais uma vez (em verdade com muita freqüência o faz) ser renascida.

Porque, por este ensino eles negam a imortal natureza da semente de Deus pela qual fomos renascidos, contrariando o testemunho do apóstolo Pedro: De novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível (I Pe.1:23).

IX

Ensinam que Cristo em nenhuma parte orou por uma infalível perseverança dos crentes na fé.

Porque eles contradizem ao próprio Cristo quando ele diz: Mas eu roguei por ti [Pedro], para que a tua fé não desfaleça (Lc.22:32); e João o escritor do evangelho quando testifica em João 17 que não foi somente pelos apóstolos, mas também por todos aqueles que viriam a crer pela sua palavra que Cristo orou: Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste (v.11); e Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal (v.15).


Conclusão

Rejeição de Falsas Acusações

E assim esta é a clara, simples, e direta explanação da doutrina ortodoxa nos cinco artigos em disputa na Holanda, bem como a rejeição dos erros pelos quais as Igrejas da Holanda têm por algum tempo sido perturbadas. O Sínodo declara esta explanação e rejeição de erros como sendo derivada da Palavra de Deus e de acordo com as confissões das Igrejas Reformadas. Em conseqüência, parece claro que alguns, de quem dificilmente se poderia esperar isto, nenhuma verdade têm apresentado, nem equidade, nem caridade, ao desejarem fazer o povo acreditar:

– que a doutrina das igrejas Reformadas sobre a predestinação, e em pontos associados com esta, por sua própria natureza e tendência, levam as mentes das pessoas para longe de toda piedade e religião, que é um narcótico da carne e do diabo, que é uma fortaleza de Satanás onde ele está esperando por todas as pessoas, feridas muitas delas, e que fatalmente penetra muitas delas com setas tanto de desespero quanto de autoconfiança.

– que esta doutrina faz Deus ser o autor do pecado, da injustiça, um tirano, e um hipócrita; e não é nada além de um renovado Estoicismo, Maniqueísmo, Libertinismo, e Maometismo;

– que esta doutrina torna as pessoas carnalmente autoconfiantes, uma vez que as persuade de que nada põe em perigo a salvação dos escolhidos, não importando como eles vivem, uma vez que eles podem cometer os mais ultrajantes crimes com autoconfiança; e que por outro lado nada é de utilidade para os reprovados mesmo que eles tivessem verdadeiramente executado todas as obras dos santos.

– que esta doutrina significa que Deus predestinou e criou, por uma mera e desqualificada escolha da sua vontade, sem a menor estima e consideração por qualquer pecado, a maior parte do mundo à eterna condenação; que da mesma forma que a eleição é a fonte e causa da fé e das boas obras, a reprovação é a causa da descrença e da impiedade; que muitos filhos pequenos de crentes são arrebatados de sua inocência nos seios de suas mães e cruelmente lançados no inferno já que nem o sangue de Cristo, nem seus batismos, nem as orações da igreja em seu batismo podem ser de qualquer utilidade a eles; e muitas outras caluniosas acusações deste tipo que as igrejas Reformadas não somente negam, mas também denunciam de todo o coração.

Por esta razão este Sínodo de Dordt em nome do Senhor apela a todos os que devotadamente clamam em nome do Salvador Jesus Cristo para que formem juízo sobre a fé das igrejas Reformadas não com base em falsas acusações colhidas aqui e ali, ou mesmo com base em afirmações pessoais de um número de autoridades antigas e modernas; — afirmações que freqüentemente são também tiradas fora do seu contexto ou citadas erroneamente e torcidas para se ajustarem a um significado diferente — mas com base nas confissões oficiais das próprias igrejas e na presente explanação da doutrina ortodoxa a qual foi endossada por consenso unânime de cada um dos membros do Sínodo.

Além disso, o Sínodo severamente adverte os próprios falsos acusadores para que considerem quão pesado julgamento de Deus aguarda aqueles que dão falso testemunho contra tantas igrejas e suas confissões, transtornam as consciências dos fracos, e buscam predispor as mentes de tantos contra a comunhão dos verdadeiros crentes.

Finalmente, este Sínodo deseja que todos os companheiros ministros do evangelho de Cristo lidem com esta doutrina de forma piedosa e reverente, tanto em instituições acadêmicas quanto nas igrejas; assim fazendo em seu falar e escrever, tendo em vista a glória do nome de Deus, a santidade de vida, e o consolo das almas ansiosas; que pensem e também que falem sobre a Escritura de acordo com a analogia da fé; e, finalmente, que refreiem todos aqueles modos de falar que vão além dos limites estabelecidos para nós pelo genuíno senso das Sagradas Escrituras e que possam não dar aos impertinentes sofistas uma justa oportunidade para zombar da doutrina das igrejas Reformadas ou mesmo trazer falsas acusações contra ela.

Possa o Filho de Deus Jesus Cristo, que está assentado à mão direita de Deus e dá dons aos homens, nos santificar na verdade, guiar à verdade aqueles que erram, silenciar as bocas daqueles que imputam falsas acusações contra a sã doutrina, e equipar os ministros fiéis da sua Palavra com um espírito de sabedoria e discernimento, para que tudo o que venham dizer seja para glória de Deus e para a edificação dos seus ouvintes. Amém.

As 95 Teses Contra o Comércio das Indulgências (out / 1517)


Autor: Martinho Lutero

Tradução: Walter Andrade Campelo1

Nota do Tradutor

Estas teses devem ser entendidas em seu contexto histórico, qual seja: Lutero era, naquele momento, um padre católico romano, devotado a esta igreja e ao Papa que a comandava. Ele era professor em um importante seminário de formação teológica da igreja romana, e tinha profunda formação agostiniana, o que lhe fazia dar (como pode ser visto em várias de suas teses) grande valor ao castigo físico, e aos sofrimentos em geral, como meios adequados e necessários ao crescimento Cristão e ao aprendizado da fé.

Pode-se também observar em todo o decorrer do texto, uma clara intenção de suscitar a possibilidade de reforma da igreja de Roma, antes de confrontá-la, e menos ainda de dividi-la.

A divulgação das “95 teses” não foi, como tem sido ensinado por alguns, um ato de heroísmo ou de desprendimento, mas foi apenas a publicação de um convite para uma “disputa acadêmica” entre mestres e alunos do seminário; haja visto sua publicação em latim e não em alemão (que era a língua do povo dali). Todo o texto é, assim, apenas um conjunto de assuntos que deveriam ser debatidos por ocasião da “disputa acadêmica”, e tinha como finalidade expor questões sobre a venda de indulgências. Prática esta que possuía grandes contradições doutrinárias que aliadas à corrupção de muitos dos clérigos responsáveis por sua aplicação, faziam com que fosse vista por Lutero como grande ameaça à credibilidade da igreja de Roma, bem como do Papa.

Fica patente também, pelo texto, que Lutero esperava receber completo e irrestrito apoio do Papa no que diz respeito às suas teses, mas contrariamente às suas expectativas recebeu forte censura. A ponto de serem enviados, pelo Papa Leão X, agentes para disputarem teologicamente com ele, e de ser iniciado um processo inquisitório, que culminou em janeiro de 1521 com sua excomunhão. Foi esta oposição recebida da parte do Papa e da igreja romana, e não estas 95 teses, que fizeram com que Lutero desse início ao seu protesto, que finalmente resultou na reforma protestante.

Introdução

Por amor à verdade e com o desejo de trazê-la à luz, as seguintes teses serão debatidas em Wittenberg, sob a presidência do Reverendo Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes e de Sagrada Teologia, e Professor Oficial das mesmas naquele lugar. Ele, portanto, pede que aqueles que estão impedidos de estar presentes e debater oralmente conosco, possam fazê-lo por carta.

Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

Teses

1ª Tese Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo, quando disse: “Arrependei-vos”, quis que toda a vida dos fiéis fosse arrependimento.
2ª Tese Esta palavra não pode ser entendida como significando a penitência sacramental, isto é, a confissão e a satisfação, que é administrada pelos sacerdotes.
3ª Tese Nem também significa somente arrependimento interior, e mais, o arrependimento interior é nulo, a não ser que externamente produza variadas mortificações da carne.
4ª Tese A pena [do pecado], conseqüentemente, continua enquanto continuar o ódio por si mesmo (este é o verdadeiro arrependimento interior), e continua até nossa entrada no reino dos céus.
5ª Tese O Papa não pretende nem pode remir quaisquer penas além daquelas que ele impôs seja através de sua própria autoridade ou através da dos cânones.
6ª Tese O Papa não pode remir qualquer culpa, a não ser declarando, e confirmando que ela foi remida por Deus; ainda que, para estar seguro, ele possa conceder remissão em casos que são reservados ao seu julgamento. Se seu direito de conceder remissão em tais casos for desprezado, o culpado permanecerá inteiramente sem perdão.
7ª Tese Deus não redime a culpa de qualquer pessoa sem que Ele, ao mesmo tempo, a humilhe em todas as coisas e a traga em sujeição ao Seu substituto, o sacerdote.
8ª Tese Os cânones penitenciais são impostos somente aos vivos, e, segundo os mesmos, nada pode ser imposto aos que morrem.
9ª Tese Portanto, o Santo Espírito no Papa nos é benevolente, porque em seus decretos ele sempre faz exceção ao artigo da morte e da necessidade.
10ª Tese Maldosas e sem conhecimento de causa são as obras daqueles sacerdotes que reservam aos moribundos as penitências canônicas para o purgatório.
11ª Tese Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena de purgatório evidentemente foi semeada enquanto os bispos dormiam.
12ª Tese Em tempos passados as penas canônicas foram impostas não depois, mas antes da absolvição, como verificação de verdadeira contrição.
13ª Tese Os que estão à morte são libertos pela morte de todas as penas; eles já estão mortos para as leis canônicas, e têm o direito de serem dispensados delas.
14ª Tese A saúde imperfeita [da alma], ou seja, o amor imperfeito, dos que estão à morte traz necessariamente consigo grande temor, e tanto mais quanto menor for o amor.
15ª Tese Este temor e horror são suficientes por si sós (para não dizer outras coisas) para constituírem-se na pena de purgatório, desde que estão próximos do horror de desespero.
16ª Tese Inferno, purgatório e céu parecem diferir como o fazem o desespero, o quase desespero e a garantia de segurança.
17ª Tese Parece necessário, com as almas no purgatório, que diminua o horror e que cresça o amor.
18ª Tese Parece não ter sido provado, nem por razão nem por Escritura, que elas estão fora do estado de mérito, ou seja, do crescente amor.
19ª Tese Também parece não ter sido provado que elas, ou pelo menos que todas elas, estão certas ou asseguradas de sua própria bem-aventurança, ainda que nós possamos estar bem certos disto.
20ª Tese Portanto, por “plena remissão de todas as penas”, o Papa não quer dizer verdadeiramente “de todas”, mas somente daquelas impostas por ele próprio.
21ª Tese Portanto, erram aqueles pregadores de indulgências, os quais dizem que através das indulgências do Papa um homem é liberto de todas as penas, e salvo;
22ª Tese Considerando que ele não envia às almas no purgatório nenhuma pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
23ª Tese Se é que é de todo possível conceder a alguém remissão de todas e quaisquer penas, é certo que esta remissão poderia ser dada somente aos mais perfeitos, ou seja, pouquíssimos.
24ª Tese Isto faz ser necessário, por conseqüência, que a maior parte do povo está sendo enganada pela indiscriminada e retumbante promessa de absolvição da pena.
25ª Tese O poder que o Papa tem sobre o purgatório, de modo amplo, é exatamente como o poder que qualquer bispo ou cura tem em sua própria diocese ou paróquia, de modo particular.
26ª Tese O Papa faz muito bem quando, não pelo poder das chaves (as quais ele não possui), mas por meio de intercessão, concede remissão às almas.
27ª Tese Pregam a doutrina humana os que dizem que assim que a moeda tilintar na caixa, a alma voará para fora (do purgatório).
28ª Tese O certo é que quando a moeda tilintar na caixa, o lucro e a avareza poderão crescer, mas o resultado da intercessão da Igreja está somente na vontade de Deus.
29ª Tese E quem sabe se todas as almas no purgatório desejam ser remidas, como na lenda de São Severino e Pascoal?
30ª Tese Ninguém está certo de que sua própria contrição é sincera; muito menos que tenha obtido plena remissão.
31ª Tese Quão rara é a verdadeira penitência, tão rara quanto quem legitimamente adquire indulgências, ou seja, raríssima.
32ª Tese Serão condenados eternamente, junto com seus mestres, aqueles que crêem que a si mesmos garantiram salvação por causa de suas cartas de perdão (indulgência).
33ª Tese Deve-se estar em guarda contra aqueles que dizem que as indulgências papais são aquelas inestimáveis dádivas de Deus pelas quais o homem é reconciliado com Ele.
34ª Tese Porque estas graças de perdão se referem somente às penas de satisfação sacramental, e estas são impostas pelo homem.
35ª Tese Não pregam doutrina Cristã os que ensinam que àqueles que desejam alcançar a redenção da alma, não é necessário o arrependimento.
36ª Tese Qualquer Cristão verdadeiramente arrependido tem direito à plena remissão das penas e da culpa que lhe cabem, mesmo sem as cartas de perdão.
37ª Tese Qualquer verdadeiro Cristão, seja vivo ou morto, tem parte em todas as bênçãos de Cristo e da Igreja; e isto lhe é concedido por Deus, mesmo sem as cartas de perdão.
38ª Tese Entretanto, a remissão e a participação do Papa de modo nenhum devem ser desprezadas, pois (como já disse) é uma declaração de remissão divina.
39ª Tese É muito difícil mesmo para os teólogos mais capazes, exaltar ao povo, ao mesmo tempo, a abundância das indulgências e a [necessidade de] verdadeiro arrependimento.
40ª Tese O verdadeiro arrependimento busca e ama as penas, mas a abundância de indulgências relaxa as penas e faz [o povo] odiá-las, ou pelo menos, dá ocasião [a isto].
41ª Tese Deve-se pregar com cuidado sobre as indulgências apostólicas, para que o povo, equivocadamente, não as entenda como sendo preferíveis às outras boas obras do amor.
42ª Tese Os Cristãos devem ser ensinados que o Papa não tem a intenção de que a compra de indulgências seja comparada, de qualquer forma que seja com as obras de misericórdia.
43ª Tese Os Cristãos devem ser ensinados que aquele que dá ao pobre ou empresta ao necessitado faz uma melhor obra do que [faria] comprando indulgências.
44ª Tese Porque pela obra do amor cresce o amor e o homem se torna melhor, mas pelas indulgências o homem não se torna melhor, somente mais livre da pena.
45ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos, que aquele que vê alguém em necessidade e o negligencia, e gasta [seu dinheiro em indulgências], não adquire indulgências do Papa, mas a ira de Deus.
46ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos, que a menos que tenham muito mais do que necessitam, devem separar o que é necessário às suas próprias famílias, e de modo algum desperdiçar dinheiro com indulgências.
47ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos que a compra de indulgências é uma questão de liberdade e não um mandamento.
48ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos que o Papa, ao conceder indulgências, necessita e, portanto, deseja as suas devotas orações em seu favor, mais do que o dinheiro que lhe apresentam.
49ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos que as indulgências do Papa são úteis se eles não depositarem sua confiança nelas; mas [são] completamente nocivas se através delas eles perderem o temor de Deus.
50ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos que se o Papa soubesse das extorsões dos pregadores de indulgências, ele preferiria que a Basílica de São Pedro fosse reduzida a cinzas, a ser ela edificada com a pele, a carne e os ossos das suas ovelhas.
51ª Tese Deve-se ensinar aos Cristãos que seria desejo do Papa, como é seu dever, dar do seu próprio dinheiro a muitos daqueles de quem os mascates das indulgências extorquem o dinheiro, mesmo que para isto a Basílica de São Pedro tivesse que ser vendida.
52ª Tese Vã é a garantia de salvação através das cartas de perdão, mesmo se o comissário, ou mesmo o próprio Papa empenhassem suas almas por elas.
53ª Tese Inimigos de Cristo e do Papa são aqueles que propõem que a Palavra de Deus seja de todo silenciada em algumas igrejas, de modo que as indulgências possam ser pregadas.
54ª Tese Injúria é feita à Palavra de Deus quando, em algum sermão um tempo igual ou maior é gasto com as indulgências que com ela.
55ª Tese O pensamento do Papa, necessariamente, é que se as indulgências, que são coisas de importância menor, são celebradas com um badalar de sino, com uma procissão e com uma celebração de cerimônia, o Evangelho que é o mais importante, seja pregado com uma centena de badaladas de sinos, e com uma centena de procissões e com uma centena de celebrações de cerimônia.
56ª Tese Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o Papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados ou conhecidos entre o povo de Cristo.
57ª Tese Que eles não são temporais é certo e patente, por isso muitos dos vendedores [de indulgências] não os distribuem facilmente, mas somente os ajuntam.
58ª Tese Nem são eles os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operaram (sem o Papa) a graça sobre o homem interior, e, a cruz, a morte e o inferno [operaram a graça] sobre o homem exterior.
59ª Tese São Lourenço disse que os tesouros da Igreja sãos os pobres da Igreja, mas ele falou de acordo com o uso da palavra em seu próprio tempo.
60ª Tese Sem temeridade dizemos que as chaves da Igreja, dadas pelo mérito de Cristo, são estes tesouros.
61ª Tese Porque claro está que para a remissão das penas e das quedas, o poder do Papa é por si só suficiente.
62ª Tese O verdadeiro tesouro da Igreja é o Santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
63ª Tese Mas este tesouro é naturalmente o mais odioso, porque faz os primeiros serem os últimos.
64ª Tese Por outro lado, o tesouro das indulgências é naturalmente mais aceitável, porque faz os últimos serem os primeiros.
65ª Tese Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes que foram anteriormente usadas para pescar homens de posses.
66ª Tese Os tesouros das indulgências são redes com as quais eles agora pescam as posses dos homens.
67ª Tese As indulgências que os pregadores proclamam como as “grandes graças” são entendidas com sendo realmente isto, na medida em que promovem ganho [de renda].
68ª Tese Ainda que sejam, na verdade, das graças as menores [quando] comparadas com a graça de Deus e a piedade da Cruz.
69ª Tese Os Bispos e Curas são obrigados a admitir os comissários de indulgências apostólicas com toda a reverência.
70ª Tese Mas, ainda mais, são obrigados a observar com todos os olhos e ouvir com todos os ouvidos, a fim de que estes homens não preguem seus próprios sonhos ao invés do que lhes foi comissionado pelo Papa.
71ª Tese Aquele que falar contra a verdade das indulgências apostólicas, seja anátema (excomungado) e amaldiçoado.
72ª Tese Mas, bem-aventurado seja aquele que se guarda contra a concupiscência e a licenciosidade dos pregadores de indulgências.
73ª Tese O Papa, com justiça, fulmina aqueles que, de alguma forma, defraudam o comércio de indulgências.
74ª Tese Mas, muito mais deseja ele fulminar aqueles que usam o pretexto das indulgências para defraudar a santa caridade e a verdade.
75ª Tese Pensar que as indulgências papais são tão eficazes que podem absolver um homem mesmo que tenha cometido um pecado impossível e violentado a Mãe de Deus – é loucura.
76ª Tese Dizemos, ao contrário, que as indulgências papais não são capazes de remover nem o menor dos pecados veniais, no que concerne à sua culpa.
77ª Tese É dito [por alguns] que mesmo São Pedro, se fosse o Papa agora, não poderia conceder maiores graças [que as indulgências]; isto é blasfêmia contra São Pedro e contra o Papa.
78ª Tese Dizemos, ao contrário, que mesmo o Papa atual, bem como qualquer outro Papa, tem maiores graças à sua disposição; a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças, os dons de cura, etc., como está escrito em I Coríntios XII.
79ª Tese Dizer que a cruz, erguida no brasão junto com as armas papais, equivale à cruz de Cristo, é blasfêmia.
80ª Tese Terão que prestar contas, os Bispos, Curas e teólogos que permitem que tais sermões sejam difundidos entre o povo.
81ª Tese Esta desenfreada pregação de indulgências faz com que não seja fácil, mesmo para homens doutos, resgatar a reverência devida ao Papa por causa das calúnias e mesmo [por causa] dos astutos questionamentos dos leigos.
82ª Tese A saber: – “Por que o Papa não esvazia o purgatório, por causa do santo amor e da horrenda necessidade das almas que lá estão, se ele poderia redimir um número infinito de almas com o mui funesto dinheiro com o qual constrói uma Basílica? Não são as primeiras razões mais justas; e a última insignificante?”
83ª Tese Igualmente: – “Por que continuam as missas por morte e aniversário dos falecidos, e por que ele não restitui ou permite a devolução de ofertas efetuadas em favor deles, já que é errado orar pelos já redimidos?”
84ª Tese Igualmente: – “O que é esta nova piedade de Deus e do Papa, que por dinheiro permitem a um homem, que é ímpio e seu inimigo, comprar a saída do purgatório da alma devota de um amigo de Deus, e não antes, por causa da própria necessidade daquela alma amada e devota, a livra por puro amor?”
85ª Tese Igualmente: – “Por que estando os cânones penitenciais já há muito, de fato e por desuso, revogados e mortos, estão agora sendo satisfeitos pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem vivos em pleno vigor?”
86ª Tese Igualmente: – “Por que o Papa, cuja fortuna é hoje maior que as riquezas dos ricos mais ricos, não constrói esta Basílica de São Pedro com seu próprio dinheiro, ao invés de com o dinheiros dos pobres fiéis?”
87ª Tese Igualmente: – O que é que o Papa perdoa, e qual participação ele concede àqueles que, por perfeito arrependimento, tem direito à plena remissão e participação?
88ª Tese Igualmente: – “Que bênção maior [não] poderia ser proporcionada à Igreja, se o Papa fosse fazer mil vezes por dia o que ele agora faz uma só vez, e concedesse a cada fiel estas remissões e participações?”
89ª Tese – “Já que o Papa, através de suas indulgências, busca a salvação das almas ao invés do dinheiro, por que suspende as indulgências e perdões concedidos anteriormente, se estes têm igual eficácia?”
90ª Tese Reprimir estes argumentos e escrúpulos dos leigos somente pela força, e não resolvendo-os apresentando razões, é expor a Igreja e o Papa à ridicularização por seus inimigos, e tornar os Cristãos infelizes.
91ª Tese Se, portanto, as indulgências são pregadas de acordo com o espírito e a mente do Papa, todas estas dúvidas serão prontamente resolvidas; não, mais ainda, elas nem existirão.
92ª Tese Fora, então, com todos aqueles profetas que dizem ao povo de Cristo: “Paz, Paz!” e não há paz!
93ª Tese Bem-aventurados sejam todos aqueles profetas que dizem ao povo de Cristo: “Cruz, Cruz!”, e não há cruz!
94ª Tese Os Cristãos devem ser exortados a que sejam diligentes em seguir a Cristo, seu Cabeça, através de penitências, de mortes, e do inferno;
95ª Tese E deste modo estejam certos de que entrarão no céu, antes por meio de muitas tribulações, que por garantia de paz.

1 Este texto foi traduzido do original em latim, utilizando grandemente o suporte de sua tradução para o inglês, conforme publicada em:
Works of Martin Luther:
Adolph Spaeth, L.D. Reed, Henry Eyster Jacobs, et Al., Trans. & Eds.
(Philadelphia: A. J. Holman Company, 1915), Vol.1, pp. 29-38

CONFISSÃO DE FÉ BATISTA DE NEW HAMPSHIRE (1833)


Autor: Rev. John Newton Brown (1803 – 1868)

Introdução Histórica

O uso de uma confissão de fé publicada pelos Batistas vem desde o Século XVII. A história fornece-nos informações que no início da obra Batista cada congregação tinha a sua própria confissão de fé. À medida que a obra espalhava-se na Europa e América do Norte, um certo “sentimento associacional” começou a caracterizá-la, tornando-se inevitável o surgimento de confissões de fé regionais.

Entre as principais confissões de fé Batistas, destacam-se: a Primeira Confissão de Londres (1644 – Inglaterra), a Segunda Confissão de Londres (1689 – Inglaterra), a Confissão de Fé New Hampshire (1833 – Estados Unidos) e a Declaração de Mensagem e Fé Batistas (1925 – Estados Unidos).

A Confissão de Fé de New Hampshire foi redigida pelo Rev. John Newton Brown (1803 – 1868), no Estado de New Hampshire, por volta de 1833, e publicada por uma comissão da Convenção Batista daquele Estado. Ela foi adotada pela mesma Convenção, chegando a influenciar outras confissões, sendo uma das mais largamente aceitas e amplamente usadas confissões de fé Batista nos Estados Unidos, especialmente nos estados do norte e do oeste. Trata-se de uma confissão clara e concisa da fé denominada Batista, em harmonia com as doutrinas de confissões mais antigas, porém expressa em forma mais moderada. Ela é relativamente breve quando comparada com outras confissões, contendo 18 artigos. De um modo geral, sua tendência é calvinista moderada e relembra a fé dos protestantes ortodoxos.

Com a chegada dos missionários americanos no final do Século XIX ao Brasil, a Confissão de Fé de New Hampshire tornou-se a declaração dos Batistas brasileiros, passando a ser conhecida como “Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil”.

Em 1983, a Assembléia Anual da Convenção Batista Brasileira votou a nomeação de uma comissão para elaborar uma declaração de fé dos Batistas brasileiros por Batistas brasileiros. Após certo período de trabalho, em 1985, a citada comissão apresentou ao plenário de sua Assembléia Anual o seu parecer, que foi aceito pelos convencionais presentes. A nova declaração recebeu o nome de “Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira”, de maneira que a referida Convenção reconhece apenas duas declarações de fé: a de New Hampshire, ou “Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil”, e a recente “Declaração Doutrinária”.

CONFISSÃO DE FÉ

Das Escrituras

Cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados, e é um perfeito tesouro de instrução celestial; que tem Deus como seu autor, salvação como seu fim, e verdade sem qualquer mistura de erro como seu conteúdo; que ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e por isso é, e continuará sendo até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o supremo padrão pelo qual toda conduta, credos, e opiniões humanas devem ser julgados.

Do Verdadeiro Deus

Cremos que há um, e somente um, Deus vivo e verdadeiro, um Espírito infinito, inteligente, cujo nome é YAHVEH, o Criador e Supremo Governador do céu e da terra, inexprimivelmente glorioso em santidade, e digno de toda honra, confiança, e amor possíveis; que na unidade da divindade há três Pessoas, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo; iguais em toda a perfeição divina, e executando distintos e harmoniosos ofícios na grande obra da redenção.

Da Queda do Homem

Cremos que o homem foi criado em santidade, sob a lei de seu Criador; mas por transgressão voluntária caiu daquele santo e feliz estado; em conseqüência do que todos os homens são agora pecadores, não por constrangimento, mas por escolha; sendo por natureza completamente destituídos daquela santidade requerida pela Lei de Deus, inegavelmente inclinado para o mal, e por isso sob justa condenação à ruína eterna, sem defesa ou desculpa.

Do Caminho da Salvação

Cremos que a salvação de pecadores é totalmente de graça, através do ofício mediador do Filho de Deus; que pelo decreto do Pai, livremente tomou sobre si nossa natureza, mas sem pecado; honrou a Lei Divina pela sua obediência pessoal; que tendo ressuscitado da morte, Ele está agora entronizado no céu; e unindo em sua maravilhosa pessoa as mais ternas simpatias com divinas perfeições, Ele é de todos os modos qualificado para ser um salvador adequado, compassivo e todo-suficiente.

Da Justificação

Cremos que a grande bênção evangélica que Cristo assegura a tantos quantos crêem nele é a justificação; que a justificação inclui o perdão de pecado, e a promessa de vida eterna sobre os princípios da justiça; que ela é aplicada, não em consideração de quaisquer obras de justiça que nós temos feito, mas exclusivamente através da fé no sangue do Redentor; em virtude do que sua perfeita justiça é livremente imputada a nós por Deus mediante a fé; que leva-nos para um estado da mais abençoada paz e favor com Deus, e nos assegura as bênçãos necessárias para o tempo e a eternidade.

Da Natureza Livre da Salvação

Cremos que as bênçãos da salvação são colocadas à disposição de todos pelo evangelho; que é o dever imediato de todos aceitá-las por uma fé cordial, penitente e obediente; e que nada impede a salvação do maior pecador na terra exceto sua própria depravação inerente e rejeição voluntária do evangelho; que a rejeição envolve-o em uma condenação agravada.

Da Graça na Regeneração

Cremos que, a fim de serem salvos, os pecadores devem ser regenerados, ou nascidos de novo; que a regeneração consiste em dar uma disposição santa à mente; que ela é efetuada de uma maneira acima da nossa compreensão pelo poder do Espírito Santo, em conexão com a verdade divina, de maneira a assegurar nossa obediência voluntária ao evangelho; e que sua evidência apropriada aparece nos santos frutos do arrependimento, fé e novidade de vida.

Do Arrependimento e da Fé

Cremos que o arrependimento e a fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, operadas em nossas almas pelo Espírito regenerador de Deus; pelo que sendo profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e incapacidade, e do caminho da salvação por Cristo, nós retornamos para Deus com contrição, confissão e súplica por misericórdia não fingidas; ao mesmo tempo recebendo genuinamente o Senhor Jesus Cristo como nosso profeta, sacerdote e Rei, e confiando nele somente como único e todo-suficiente salvador.

Do Propósito da Graça de Deus

Cremos que a eleição é eterno propósito de Deus, segundo o qual Ele graciosamente regenera, santifica e salva pecadores; que sendo perfeitamente consistente com a livre agência do homem, abrange todos os meios em conexão com o fim; que é uma demonstração gloriosíssima da bondade soberana de Deus, sendo infinitamente livre, sábia, santa, e imutável; que ela exclui completamente a vanglória, e promove humildade, amor, oração, louvor, confiança em Deus, e ativa imitação de sua livre misericórdia; que ela encoraja o uso dos meios no mais alto grau; que ela pode ser percebida pelos seus efeitos em todo aquele que verdadeiramente crê no evangelho; que é o alicerce da segurança cristã; e que verificá-la com respeito a nós mesmos demanda e merece a máxima diligência.

Da Santificação

Cremos que a santificação é o processo pelo qual, segundo a vontade de Deus, nós somos feitos participantes de sua santidade; que ela é uma obra progressiva; que é iniciada na regeneração; e que é efetivada nos corações dos crentes pela presença e poder do Espírito Santo, o Selador e Consolador, no uso contínuo dos meios decretados – especialmente a Palavra de Deus, o auto-exame, a abnegação, a vigilância, e a oração.

Da Perseverança dos Santos

Cremos que são crentes legítimos aqueles que resistem até o fim; que seus perseverantes vínculos com Cristo é o grande marco que distingui-os dos professos superficiais; que uma especial providência zela por seu bem-estar; e eles são guardados pelo poder de Deus através da fé para a salvação.

Da Harmonia da lei e do Evangelho

Cremos que a Lei de Deus é a regra eterna e imutável de seu governo moral; que ela é santa, justa, e boa; e que a incapacidade que as Escrituras atribuem aos homens caídos de cumprir seus preceitos provém inteiramente de seu amor ao pecado; livrá-los disso, e restaurá-los através de um mediador à obediência não fingida à santa Lei, é um grande fim do evangelho, e dos meios de graça associados com o estabelecimento da Igreja visível.

De uma Igreja Evangélica

Cremos que uma Igreja visível de Cristo é uma congregação de crentes batizados, associados pelo pacto na fé e comunhão do evangelho; observando as ordenanças de Cristo; governados por suas Leis, e exercitando os dons, direitos, e privilégios investidos neles pela sua Palavra; que seus únicos oficiais bíblicos são bispos, ou pastores, e diáconos, cujas qualificações, reivindicações, e deveres são definidos nas epístolas a Timóteo e Tito.

Do Batismo e da Ceia do Senhor

Cremos que o Batismo cristão é a imersão de um crente em água, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; para anunciar, em um solene e belo símbolo, nossa fé no Salvador crucificado, sepultado e ressurreto, com seu efeito em nossa morte para o pecado e ressurreição para uma nova vida; que é pré-requisito aos privilégios de uma relação eclesiástica; e à Ceia do Senhor, na qual os membros da Igreja, pelo uso sagrado do pão e do vinho, devem comemorar juntos a morte de Cristo por amor; precedido sempre por solene auto-exame.

Do Sábado Cristão

Cremos que o primeiro dia da semana é o dia do Senhor, ou o sábado cristão; e deve ser mantido sagrado para propósitos religiosos, pela abstenção de todo o labor secular e recreações pecaminosas; pela observância devota de todos os meios de graça, tanto privado quanto público; e pela preparação para aquele repouso que restará para o Povo de Deus.

Do Governo Civil

Cremos que o governo civil é de nomeação divina para os interesses e boa ordem da sociedade humana; e que devemos interceder pelos magistrados, conscienciosamente honrá-los e obedecê-los; exceto apenas nas coisas opostas à vontade de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único Senhor da consciência, e o príncipe dos Reis da Terra.

Do Justo e do Ímpio

Cremos que há uma diferença radical e essencial entre o justo e o ímpio; que apenas tantos quantos por meio da fé são justificados em nome do Senhor Jesus, e santificados pelo Espírito do nosso Deus, são verdadeiramente justos em Sua avaliação; enquanto todos quantos continuam em impenitência e incredulidade são, aos Seus olhos, ímpios, e sob a maldição; e esta distinção mantém-se entre os homens tanto na morte como depois dela.

Do Mundo Vindouro

Cremos que o fim do mundo está se aproximando; que no último dia Cristo descerá do céu, e ressuscitará os mortos da sepultura para retribuição final; que uma solene separação então tomará lugar; que o ímpio será condenado à punição, e o justo ao júbilo infindáveis; e que este julgamento fixará para sempre o estado final dos homens no céu ou no inferno, sobre os princípios da justiça.